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Brasília

Grafite muda a paisagem da W3 Sul

Douglas define a W3 como “berço dessa arte” e narra que muitas vezes percorreu a avenida à cata de um muro que servisse de suporte para sua arte

Redação Jornal de Brasília

06/12/2021 15h35

O grafites tem tomado a W3 sul e deixado o local cada vez mais vivo. Cerca de 10 quilômetros de extensão da avenida W3 Sul foram palco, nesse final de semana, da segunda etapa de intervenções de artistas do grafite contemplados no edital W3 Arte Urbana, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec). A intervenção urbana nas paradas de ônibus, com 27 selecionados (44% de mulheres), começou nos dias 27 e 28 de novembro,. Cada participante recebeu cachê de R$ 3 mil e kit com 20 sprays e uma lata de tinta para a base.

“A Secec comprou meu trabalho. Isso é um motivo de orgulho para mim”, afirma Douglas Retok (Douglas da Silva Sousa), 27, grafiteiro desde os 14 anos, que ilustrou a parada de ônibus da Entrequadra 707/708 Sul. Pintor residencial e tatuador, ele entende o grafite como “arte que evoluiu da pichação” e se constitui num “resgate social” da prática.

Douglas define a W3 como “berço dessa arte” e narra que muitas vezes percorreu a avenida à cata de um muro que servisse de suporte para sua arte: “A gente chega e pergunta ao dono da loja, ‘tio, posso pintar seu muro?’”, explica ele. Uma resposta positiva faz saltarem da surrada bolsa os tubos de spray e a fome de expressão. “Gosto desses trabalhos. Mantenho minha liberdade, meu estilo”, revela.

Na parada da 707/708, ele usa como tema “Viva a diferença!”, que serve de legenda para o desenho de uma fila de ônibus, na qual se observam idosos e jovens, homens e mulheres, brancos, pretos, pardos, numa alusão ao transporte público com sua diversidade em relação aos carros particulares.

Entusiasta do grafite, o secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, fez questão de acompanhar o começo dos trabalhos na W3 Sul. “Esse é um projeto que se estende de uma revitalização do GDF para a W3 Sul, que, após essa ação, nunca mais será vista da mesma forma”.

A fala de Douglas ecoa o Decreto Distrital 39.174 (2018), que institui a valorização do grafite como política de estado no DF e reconhece, na diversidade e no caráter popular de arte, dois princípios que regem a iniciativa oficial, entre outros como promoção de identidades, de diversidade cultural brasileira, de territorialidade e pluralismo cultural, geração de renda.

Douglas mora no Riacho Fundo e exemplifica o esforço de descentralização no fomento ao grafite, trazendo para a artéria W3 os enlevos criativos das Regiões Administrativas para além do Plano Piloto. O edital, em linha com o decreto, contempla artistas do Recanto das Emas, Guará, Ceilândia, Núcleo Bandeirante, Luziânia, Sudoeste/Octogonal, Arniqueira, Águas Claras, Santa Maria, Vicente Pires, Planaltina, além de cidades da Região Integrada de Desenvolvimento (Ride), como Valparaíso de Goiás, Luziânia e Novo Gama.

Na parada de ônibus da 504/505 (frente ao Sesc), Nati (Naiana Mendes da Silva Alves) usa um rolo para espalhar um tom de laranja sobre a base acinzentada do muro. “Muito feia essa cor. Quero reproduzir esse céu lindo de Brasília de fim de primavera”, revela ela, mostrando o esboço, em papel, do que pretende.

“Pintar para mim, aqui, é inédito”, conta Nati, que sempre apreciou “ler a rua” no trajeto de ônibus pela W3 de casa para o estágio, quando mais nova, fone nos ouvidos e pensamento nas imagens desorganizadas na paisagem urbana da avenida. “Minha cunhada não olha para o céu, acredita? Acha que é coisa de bicho grilo. Tem muita gente assim. Mas o grafite é autoritário. Te obriga a ver”. A pensar? Ela sorri, aprovando.

Do outro lado da avenida, em tons de azul, o companheiro de Nati, Soneka (Flávio Mendes Batista Alves), dá forma, no abrigo do ponto de ônibus (705/706), a um desenho mais intimista, enquanto toca no estéreo portátil o som metal do paulista Rodrigo Tomé Ozzi.

Tatuador, ilustrador, produtor de estampas para camisetas, Soneka compartilha o mesmo interesse de outros grafiteiros ouvidos por música, cinema, vídeo, fotografia. Ele acha que a população em Brasília já reconhece hoje o valor do grafite e reconhece o papel do poder público na mudança do cenário, que antes era o de reduzir tudo a pixação e a reprimir.

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A percepção de Soneka (foto) tem respaldo nas falas de pessoas que aguardavam ônibus na W3. Eronildes, 48, mestre de obras, morador de Planaltina (DF), na parada da 511, afirmou que a arte urbana “dá uma vida para a parada”.

Geildo Gomes de Medeiros, 42, na 713, morador do Riacho Fundo I, técnico em mecânica e hidráulica, contemplava o resultado do grafite na parede: “Fico encabulado com as coisas bonitas que fazem”.

Conceição de Souza, 54, trabalhos administrativos, moradora da Asa Sul, também se entusiasmava: “a pintura nesse ponto [715] ficou muito boa. A parada fica mais bonita assim colorida”.

Neide Pereira Mota, 73, vendedora de cosméticos, moradora do Recanto das Emas, encantou-se pelo grafite de Nzinga (Luana Pereira Silva), na parada próxima ao Espaço Cultural Renato Russo, 508 Sul: “acho lindo, queria que fizessem onde eu moro”.

História

Nzinga, 26, diz que usa a arte de raízes africanas “para fazer o resgate da ancestralidade”. Conta que seu nome artístico é inspirado na mítica rainha de Matamba (África, atualmente Angola). No século XVII, essa mulher liderou matriarcado que combateu e venceu homens num contexto de guerras diante da crescente escravização de povos africanos pelos portugueses e outros brancos europeus.

Arte-educadora do coletivo Poesia nas Quebradas, de Planaltina, onde mora, ela enxerga na W3 uma enorme oportunidade de tornar mais conhecido seu trabalho. Deixa no painel seu instagram para ser encontrada por quem se interessar, prática compartilhada por outros grafiteiros ouvidos.

Luana acha tempo para fazer trabalho voluntário para a Gerência de Atendimento em Meio Aberto (ligada à Secretaria de Justiça do DF) de Planaltina, onde reside, e defende que o grafite pode possibilitar que adolescentes troquem armas por latas de spray e a morte violenta por uma chance de vida.

Em novembro, ela – que vive no corre para criar uma filha de dois anos – ministrou oficina de grafite para oito jovens entre 15 e 18 anos. “Eles dizem que faltam oportunidades culturais na vida deles. Vivem em vulnerabilidade e carecem de oportunidades. Acredito que o grafite pode mudar isso.”

Com informações da Secretaria da Cultura

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