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Brasília

Exclusivo: os fantasmas que assombram Dulcina

Faculdade conveniada com a Dulcina de Moraes é suspeita de ser fantasma. Mais de mil alunos estão prejudicados pelo golpe do falso diploma

Ary Filgueira

10/08/2021 5h00

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

No próximo dia 28 de agosto, serão completados 25 anos da morte de Dulcina de Moraes. Considerada uma das grandes damas do teatro brasileiro, a atriz falecida no mesmo período de 1996 se notabilizou pelo legado que deixou, principalmente, às artes cênicas. É dela, por exemplo, a criação da Fundação Brasileira de Teatro, que é mantenedora de uma faculdade que já formou dezenas de atores e professores.

Mas o nome de Dulcina agora aparece em um ambiente diverso daquele que a consagrou e onde ela se sentia praticamente em casa: o palco. Dormita no escaninho do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) desde 2017 a denúncia de que uma faculdade fantasma de São Paulo usou o nome da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (FADM) para vender diplomas falsos a estudantes interessados numa segunda graduação. Estima-se que centenas de pessoas tenham sido enganadas pela promessa de ter um diploma expedido pela notória faculdade brasiliense.

Com sede em Barueri, o Intermediação da Educação Cultural (Idec) cobrava R$ 500 pelo certificado com graduação em Educação Artística como se a Faculdade Dulcina de Brasília tivesse ministrado o curso a distância.

Acontece que a instituição brasiliense é proibida pelo Ministério da Educação de ministrar aulas fora do Distrito Federal, o que apenas por isso já se constitui indício de irregularidade. Mesmo assim, havia uma lista de 1,5 processos de pedido de expedição dos diplomas a alunos daquele estado.

Mas essa não é a maior suspeita de que o curso em Educação Artística da Idec é na verdade uma fraude. Em 2017, quando foi nomeada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) na função de administradora judicial da Fundação Brasileira de Teatro, que é mantenedora da Faculdade Dulcina, Débora Aquino, que é formada em gestão de pessoas com ênfase em gestão de crise, resolveu investigar o contrato entre a FBT e o Idec.

Ao final, ela elaborou um relatório com os indícios de irregularidades no Convênio de Cooperação Técnica entre a FBT e Idec. O Jornal de Brasília teve acesso ao documento protocolado no MPDFT em 19 de setembro de 2017 e encaminhado ao promotor Evandro Manoel da Silveira Gomes, da Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social naquele ano.

De acordo com Débora, mais de 600 pessoas obtiveram o diploma em Educação Artística sem que a necessária documentação comprobatória que tenha sido juntada à pasta do aluno que fica arquivada na faculdade. Isso restou comprovado após ela pedir ao Idec a documentação que comprovasse ao menos que o curso foi ministrado. Na ocasião, Débora requereu a carga horária, os diários dos alunos, nomes dos professores, o nome dos alunos em cada turma, mas eles não forneceram para ela.

Além disso, Débora se reuniu duas vezes com os supostos representantes do Idec e descobriu uma contradição entre eles com o titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli). Segundo ela contou à reportagem, a pessoa, que não teve o nome revelado, nem sabia que tinha uma empresa em seu nome.

“Suspendi imediatamente a relação com a instituição e comecei a investigar onde era a sede. A sede era num lugar estranho (na Rua São Fernando número 751 no Bairro Jardim Julio). Além disso, o formato Eireli é inadequado para esse tipo de convênio, porque você não consegue responsabilizar os gestores porque ela é uma empresa de fundo único. Ela não tem diretoria e é só pessoa. Então, tudo me levava a crer que estava acontecendo uma irregularidade”, detalhou Débora. “O valor dado ao Dulcina era irrisório (R$ 750 mil por ano). A gente não tinha estrutura para dar aula a distância. Além disso, nenhum professor do Dulcina foi mobilizado para nenhuma aula. Então, como eles garantiam a diplomação dessas pessoas? Eles enganavam essas pessoas (alunos) e enganaram o Dulcina também”, emendou.

Cada diploma emitido pela Dulcina/Idec precisa passar pela chancela da Universidade de Brasília (UnB). Ao ser informada pela administradora judicial, a universidade suspendeu imediatamente a homologação dos diplomas.

Veja imagens da faculdade

O início da irregularidade

MPDFT

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

O contrato entre a Dulcina e o Idec foi fechado pelo antecessor de Débora. Após o MPDFT ter afastado toda a diretoria da Fundação Brasileira de Teatro, em 2013, a Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social nomeou dois interventores, que passariam a atuar como administradores judiciais: Marco Antônio Schmitt e Luiz Francisco de Sousa.

A função deles era arrumar a casa. Naquela ocasião, o MPDFT ajuizou uma ação de afastamento da diretoria por ausência de prestação de contas e suspeitas de irregularidades na gestão da instituição. A gestão deles seria no período entre 2013 e 2017. Em 2015, Marco Schmitt comunicou a secretária Acadêmica da FADM Ana Paula Frambolz Feitosa Reis e a coordenadora de Espaços Acadêmicos Ana Paula dos Reis Mota de Araújo sobre o acordo.

As duas relataram a reunião. No documento, que a reportagem também teve acesso, elas contaram que Schmitt garantiu que o “Ministério Público do DF estava sabendo da parceria (com o Idec) e havia autorizado”. Porém, ninguém no MP confirmou ou desmentiu isso.

Ao ser perguntado sobre o caso, o promotor da Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social do MPDFT Evandro Manoel da Silveira Gomes disse que encaminhou o caso para o Ministério Público Federal por envolver o MEC. “Se desenhou que se tratava de falsificação de diploma, o que é um crime contra o MEC. Na prática, seria invasão de atribuição da minha parte investigar. Há fortes indícios de que a
fundação possa ser uma vítima de golpe”, disse Evandro.

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