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Brasília

É tempo de comemorar e exaltar a beleza negra

Projeto faz fotografias de alunas do CEM 02 de Ceilândia para aumentar autoestima

Vítor Mendonça

02/11/2021 8h09

dia da consciência negra

Foto: Eduardo de Carvalho/cedida ao JBr

Celebrado neste mês de novembro, no dia 20, o Dia da Consciência Negra inspirou docentes do Centro de Ensino Médio 02 de Ceilândia a realizar uma ação de incentivo à beleza preta, por vezes desestimada ou não vista por alunas da instituição de ensino. Pensando em alterar esta realidade que persistia no ambiente escolar, foi criado o projeto “Crespas e Cacheadas”, que consiste em aproveitar um dos sábados letivos do colégio para um dia de ensaio com fotógrafos profissionais voluntários.

A ideia inicial surgiu em 2013 quando os professores da instituição notaram um comportamento comum nas jovens: cabelos presos e muitos rostos cabisbaixos. Percebendo que a motivação para o retraimento das alunas era em maioria a baixa autoestima – ligada à beleza – a professora Regina Cotrim, que também é fotógrafa, então, começou a fazer fotos das alunas em sala de aula, mostrando o quão bonitas eram, independentemente do que pensavam de si mesmas. As fotografias pelas lentes da professora fizeram brilhar os olhos das estudantes.

Quem deu a ideia para ampliar a iniciativa em toda a escola como um projeto foi o professor de História Gildenor de Araújo Sousa, 56 anos, que também se arrisca como fotógrafo nos dias do ensaio. “Muitas andavam com o cabelo preso e com o olhar cabisbaixo, se achando feias por conta dos traços negros que têm. Por muito tempo a grande mídia colocou o padrão de beleza como sendo o cabelo liso, a pele clara… E o preto, em novelas, não era tão valorizado”, comentou ele que é um dos coordenadores do projeto.

Diretor e professor de matemática do CEM 02 de Ceilândia, Eliel de Aquino, 62, conta que a intenção é ir na direção oposta ao que é visto nas telas, mas ao que é reforçado também dentro de casa pelas mães das alunas, muitas vezes. “Fazemos o contrário daquilo que as propagandas de chapinhas e alisadores promovem, que desqualificam os cabelos crespos. [O projeto] ‘Crespas e Cacheadas’ é justamente para incentivar a manter as qualidades naturais do cabelo. Queremos mostrar que toda mulher pode ser quem é”, destacou.

Foto: Divulgação

Gildenor, há mais de 20 anos nas salas de aula, relata que na escola se vive “o Brasil real” todos os dias, e não aquele mostrado nas telas em histórias de novelas. “[…] E a riqueza da escola pública é que ela [instituição] não discrimina, e é cheia de diversidade”, disse. “Percebemos alguns alunos que ficavam retraídos e se travavam. Tentávamos conversar, mas não davam abertura”, contou ainda.

Não satisfeito, durante os dias que se passaram na escola, ele provocou – e ainda provoca, se necessário – alguns questionamentos para os alunos e alunas, chegando ao ponto de perguntar os porquês das meninas andarem sempre com o cabelo preso. A resposta mais comum era que elas não gostavam. “A consciência negra não pode ser só em um dia, o combate ao racismo também não. O combate à discriminação precisa ser o ano todo”, defendeu.

Em 2017, então, resolveram criar o projeto nos moldes de como funciona hoje, convidando fotógrafos para um ensaio de um dia na escola, que tem bons espaços ao ar livre para os registros. A iniciativa só não teve edição no ano passado, devido à pandemia da covid-19, que forçou os alunos a ficarem em casa. Este ano, no entanto, as fotos foram feitas no sábado do dia 23 de outubro com 15 fotógrafos, que fizeram mais de mil fotos das alunas e alunos que quiseram participar.

Não são só fotografias

A ex-aluna, Samuelle de Albuquerque Costa, 18, conta que para ela foi um tempo de muito aprendizado e de crescimento mútuo com outras meninas da instituição de ensino. Segundo ela, havia sempre a expectativa para o grande dia das fotos, onde todas poderiam se produzir para garantir bons registros não só para a exposição do Dia da Consciência Negra, mas também para aumentar a autoestima.

“O que é mais interessante é que não vamos simplesmente tirar fotos. Tem toda uma preparação com maquiadoras, depois fazemos uma roda de conversa para cada uma contar sobre os cuidados com o cabelo, trocamos experiências ruins, damos dicas de cremes e ficamos confortáveis para falar sobre preconceito e racismo”, disse Samuelle. Nesses encontros, ela relatou que algumas também mostram novos penteados.

A transição capilar – processo para resgatar o cabelo crespo e cacheado, que perdeu parte da característica original pelo alisamento durante anos – também é um dos assuntos tratados na roda de conversa. “É um período difícil porque o cabelo ainda não está nem cacheado nem liso e precisamos incentivar umas às outras para continuar nesse processo, ainda que não seja o mais confortável”, afirmou a ex-aluna.

Foto: Eduardo de Carvalho/cedida ao JBr

“[O projeto] é ótimo. Para mim foi uma experiência maravilhosa. Me aceitei muito mais, fiquei mais à vontade para sair com meu cabelo do jeito que ele é. Nos empodera”, contou. “Algumas meninas vêm falar comigo sobre como mantenho meu cabelo e aproveito a experiência que eu tive e falo o que aprendi. Com certeza levei um novo olhar.”

Ainda de acordo com Samuelle, uma das melhores partes do projeto é no dia em que um vídeo com as fotos é mostrado. Ela relata que a euforia é geral quando as fotos passam. “Todo mundo gosta e aplaude. As pessoas comentam: ‘nossa, essa é fulana?’, ou então ‘caramba, você deveria deixar o cabelo mais solto assim’, sempre incentivando depois que viram as fotos. É incrível.”

Débora Dias, aluna do 1º ano do Ensino Médio do CEM 02, conta que ficou muito feliz em participar das fotos feitas no projeto e entende a importância da iniciativa para reforçar a beleza preta para outras garotas. “É uma coisa super necessária. Infelizmente, a baixa autoestima e a comparação com outras meninas de cabelo liso ainda acontece nas escolas”, disse. “Amei a experiência.”

“Todo mundo foi muito atencioso e os fotógrafos ajudaram as meninas que não tinham experiência com câmeras, perdendo a vergonha no final. Foi meu primeiro ano participando e com certeza vou participar nos próximos. Amei as fotos e foi tudo mundo lindo. Dou parabéns por esse projeto maravilhoso”, concluiu.

Parte dos registros será exposta durante o Dia da Consciência Negra, e a outra parte enviada para as alunas e alunos que participaram. Além da exposição das fotos, os estudantes do CEM 02, por turma, separaram-se em temas específicos relacionados à história afro. Durante o dia, apresentarão conhecimentos da cultura preta manifestos na dança, na culinária, na religião, nos instrumentos musicais e, como não poderia faltar, nos cabelos também.

O vice-presidente do grêmio estudantil do CEM 02, Luiz Philipe Silva Rodrigues, 17, conta que a diferença no comportamento dos alunos antes e depois do projeto é perceptível. O aluno do 2° Ano H esteve no dia do ensaio fotográfico e relatou que todos estavam muito animados para participar, levando em mochilas e malas as melhores roupas que poderiam para fazer as fotos.

Luiz Philipe, aluno; Eliel de Aquino, diretor; e Gildenor Sousa, professor de História. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

“As fotos mostram como as pessoas são lindas, e elas estavam escondidas num canto. O projeto mostra como os alunos e alunas são lindos. Isso aumenta a autoestima dentro da escola e percebemos que alguns passaram a andar com o cabelo mais solto, mais confiança”, relatou o jovem. “Muitas nunca tiveram contato com fotógrafos profissionais e estão indo fazer fotos pela primeira vez. Isso já dá aquela animação”, comentou ainda.

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