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Brasília

Dia das Mães: a avó que leva a neta para a escola em carrinho de supermercado

Maurícia precisa lotar um saco de materiais para ganhar R$ 35. O que consegue se junta aos R$ 400 que recebe de Auxílio Brasil

Redação Jornal de Brasília

08/05/2022 5h00

Atualizada 07/05/2022 11h30

Por Malu Souza
Agência de Notícias do CEUB/Jornal de Brasília

O pé de jamelão é como um teto do barraco feito de madeira com uma lona azul estendida. Lá mora o amor de uma avó, Maurícia Barbosa, de 37 anos, e de uma neta, de 4 anos. Nessa família, a menina a chama de mãe.  Mas a avó precoce não vê o dia das mães com tanta felicidade. Sente falta dos filhos que não pôde criar. Sente a dor de dente que não passa. Sente que precisa trabalhar para sustentar a neta. Trabalhar é a rotina, mas a hora que ela mais gosta é quando transporta a neta em um carrinho de supermercado até a escola. É o grande momento do dia.  

Maurícia precisa lotar um saco de materiais para ganhar R$ 35. O que consegue se junta aos R$ 400 que recebe de Auxílio Brasil. Para recolher o material reciclável o suficiente para ter o dinheiro, ela costuma demorar uma semana. A prioridade da vida da duas chegar à escola pública na Asa Norte onde a menina se diverte, se alimenta e sonha. Para o dia das mães, o sonho de Maurícia não é para ela. “Queria que ela tivesse uma bicicleta”, diz a avó.

Na frente do barraco, uma bicicleta (que ficou pequena para a menina) e um patinete rosa. Além das duas, vive no barraco  a cachorra Mary Jane. O animal, que foi atropelado em frente ao barraco delas, foi acolhido e virou companheira fiel. Maurícia vive em carinho. Ela é uma baiana de riso fácil e que tem, apesar de tudo, esperança.

4 anos na rua

Foto: Malu Souza

Maurícia Barbosa  nasceu em Santa Rita de Cássia (BA), mas na infância partiu com sua família para Santo Antônio do Descoberto (GO). Desde que foi expulsa de casa, quando engravidou aos 15 anos de idade, ela vive em situação de vulnerabilidade. “Minha mãe me agredia e torturava”. Maurícia casou e descasou quatro vezes. Há quatro anos, vive no terreno de ocupação na Asa Norte. Ela diz que já montou seu barraco de madeirite em diferentes locais do bairro. 

A vida não é simples. A concorrência atrapalha no trabalho. “São muitos catadores. Quando a gente chega para vender o material, já tem outros catadores. Até de carro ou bicicleta. Aí quem vai com carrinho de peito fica mais pra trás. Mas a gente vai sobrevivendo”.

Um de seus sonhos é conseguir trabalho fixo, com carteira assinada. Ela conta que já conversou com diversas pessoas pedindo uma oportunidade de emprego. Ela se lembra que o último trabalho formal foi como auxiliar em um lar para idosos e em uma empresa de reciclagem. 

Mãe

A primeira filha de Maurícia, com quem ela tem pouco contato, nasceu quando ela tinha 15 anos. O médico disse a ela que se tivesse mais dois conseguiria fazer a laqueadura. Então, pensando nisso, ela pensou em ter nos anos seguintes os outros dois. 

Arquivo pessoal

Maurícia diz que os três filhos foram tirados dela ao nascerem e dados para adoção, pela sua mãe. Ela relata que procurou informações de seus filhos, mas foi ameaçada e, por ser menor de idade, na época, nada poderia fazer. Atualmente, a filha mais velha tem 21 anos, a do meio 20 anos e o mais novo 19 anos. Ela pediu para viver com a neta porque a filha não tinha condições de cuidar.

“Eu fui atrás umas três vezes. Como eu era menor, minha mãe era responsável e eu não pude fazer nada. Diziam que iam chamar a polícia, que eu teria que pagar tudo que eles já tinham gasto com as crianças”.

Mesmo com as dificuldades, ela recebe notícias de dois de seus filhos esporadicamente. Uma das meninas não tem contato com ela. Maurícia nunca comemorou o dia das mães. É um dia doloroso. Para ela, é a data que mais sente falta de seus filhos. É quando recorda que seus filhos foram tirados dela, pela mãe.

“Eu só sei o que é mãe porque eu senti a dor (do parto), né? Mas esse negócio data especial assim não sei… Dia da mãe pra mim é um dia que eu sinto a falta dos meus filhos. Quando é dia de mães, eu lembro que minha mãe sempre tirou eles de mim”.

Avó

“Mas graças a Deus enviou a minha neta. Através dela, eu tive que aprender a ser mãe, ser vó, porque eu não sabia. Quando a minha filha me entregou ela com três meses, eu não sabia de nada. A menina adoecia e eu não sabia nem que remédio dar”.

A baiana possui duas netas, de dois e quatro anos, ambas de sua filha mais velha. A neta mais velha mora com ela na ocupação. Ela estava na escola no momento da conversa com a reportagem. Orgulho e amor são apalavras que ela repete com frequência. Mostra em seu celular fotos da criança brincando, com a família e no carrinho utilizado para recolher os materiais recicláveis.

Diariamente, ela leva a criança dá ocupação à escola que fica localizada também na Asa Norte. A criança é transportada em um carrinho de supermercado sentada enquanto a avó empurra. São 2,2 km de distância, 31 minutos de caminhada.  

Maurícia não se vê estudando novamente. Sabe ler e escreve com dificuldade. Mas incentiva sua neta a frequentar a escola. “É o que eu achei lindo dela me dizer que queria ser dentista para arrumar meus dentes”. Maurícia estava há pelo menos três dias com dor e inflamação nos dentes, mas ficou com o sorriso aberto porque a neta disse, ainda tão pequena, que o sonho dela é estudar.

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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