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Brasília

20 de novembro: “DF é mais perigoso para mulheres negras”, diz pesquisadora

Segundo pesquisadoras, o racismo opera nos níveis interpessoais, estruturais e institucionais. 

Agência UniCeub

20/11/2019 17h44

Atualizada 21/11/2019 14h40

Ana Clara Avendaño
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Do total de mulheres assassinadas no Distrito Federal entre 1996 e 2016 (17.310), 74% eram negras, de ados acordo com o Mapa da Violência de Gênero. Para a pesquisadora em política social, Marjorie Nogueira, que é historiadora, a capital do país se transformou em um dos locais mais perigosos para mulheres negras. “É necessário que o DF tenha políticas específicas para combater esse tipo de feminicídio”, afirma. Os números, segundo pesquisadoras, são é apenas a ponta do iceberg de uma realidade brasileira: a violência contra a mulher no país também tem cor. Segundo a socióloga Bruna Pereira, as taxas de agressão contra a mulher negra são maiores em virtude da incidência do racismo que opera nos níveis interpessoais, estruturais e institucionais.  

A socióloga explica que, para além da violência em si, outro fator é determinante na vida dessas mulheres. Devido ao racismo estrutural, a população negra se concentra em regiões mais pobres. Dessa forma, as mulheres têm mais dificuldades para acessar serviços de proteção adequados e possuem menor condição financeira para encontrar soluções para sair do cenário de violência doméstica. Além das deficiências do transporte público, os serviços estão concentrados em regiões que estão distantes de onde elas moram.

No caso do Distrito Federal, há apenas uma delegacia especializada em crimes contra a vida da mulher localizada na quadra 204/205, na Asa Sul, em Brasília. Isso significa que uma moradora de Ceilândia, por exemplo, tem que percorrer em torno de 30 km para denunciar o crime.  

Nos serviços de atenção às vítimas de violência, incide ainda o racismo institucional, que não é necessariamente consciente, mas causa discriminação durante o atendimento. Por exemplo, se propaga a partir da ideia de que a mulher negra é mais forte e consegue se defender sozinha ou a associam ao mundo do crime, ou seja, como se ela fosse também culpada, uma espécie de “pediu para sofrer agressão”, aponta Bruna Pereira.

Tipos  de violência

As mulheres negras são tanto submetidas a violências específicas por conta da sua pele, como também acabam sendo alvo mais frequente de outros tipos de ataques, como a violência obstétrica, do que as brancas. “A experiência da colonização fez as mulheres negras serem subalternizadas. Em primeiro lugar, como escravizadas e depois como mulheres em trabalho de ocupações totalmente subordinados e informais”, declara a historiadora Marjorie Nogueira. 

O racismo interpessoal é muito comum no trabalho doméstico. Este tipo de violência é praticado por pessoas próximas da vítima. “Sendo maior contra as mulheres negras porque além do machismo, o outro fator motivador é o racismo que torna aquela mulher ‘menos humanas’, então por isso dotadas de uma vida de menor valor a tornando mais vulnerável”, diz Bruna Pereira. 

Desde o nascimento

Quando se trata de violência de violência doméstica, a injúria racial é a agressão sofrida particularmente por mulheres negras. Neste cenário, a vítima é ofendida pelo seu parceiro com base na raça. Outro tipo de violência sofrida por elas é o chamado “contrato de união racionalizado”, uma violência de exploração econômica em que o homem ao se relacionar com uma afrodescendente age como estivesse fazendo um favor para ela, explica a socióloga. A partir disso ele tem uma expectativa que ela o sustente. “Neste caso, o parceiro para de trabalhar e ao ser questionado pela sua parceira, ele a agride”, diz a socióloga..

O racismo de gênero é um termo utilizado pela historiadora Marjorie Nogueira para identificar um racismo sofrido apenas por mulheres negras. Embora todas as mulheres possam ser vítimas de violência obstétrica, por exemplo, ela é predominante na população negra, segundo consideram as pesquisadoras O racismo institucional está presente no serviço público desde a triagem até o parto. A mulher negra passa por situações de discriminação que geram uma taxa muito alta de morte materna e estresse.

 “Pesquisas comprovam que mulheres negras recebem menos anestesia em relação a mulheres brancas, devido a um estereótipo de que mulheres negras são mais resistentes a dor. Essas situações parecem estranhas, mas são totalmente cotidianas na vida de mulheres negras”, diz Marjorie Nogueira.

Dados do Ministério da Saúde  mostram que 62% das vítimas de morte materna são mulheres negras e que 65%  das mulheres submetidas a algum tipo de violência obstétrica são pretas ou pardas. Segundo o Atlas da Violência de 2019, a taxa de homicídios de mulheres não negras no Brasil teve crescimento de 4,5% entre 2007 e 2017, e a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%. Em números absolutos a diferença é ainda mais brutal, já que entre não negras o crescimento é de 1,7% e entre mulheres negras de 60,5%. 

Há fatores que contribuem para o aumento de feminicídio, diz a socióloga. Um deles é a ascensão de um discurso mais abertamente machista. “Há o crescimento da ideia da volta da mulher atrelada à maternidade e submissão ao homem ligada a lugares tradicionais”, afirma ela. Essas ideologias têm origens políticas e religiosas diversas, e “consolidam” e “legitimam” a agressão contra a mulher no geral. Além disso, existe a colocação de negros em uma posição subalterna na sociedade e no mercado de trabalho.

Medidas de combate 

As medidas existentes para combater a violência contra mulher negra são insuficientes. Marjorie Nogueira aponta que “a localização da delegacia da mulher não favorece o acesso mulheres pobres e negras que residem em periferias,além de não funcionarem 24 horas”. Ela acrescenta que isso dificulta a ida da mulher à delegacia. “Apesar de ser interessante ter delegacia para o atendimento do público feminino, [esse serviço] ainda é muito restrito ao maior contingente da população”, diz. 

Com relação aos instrumentos legais de combate à violência contra as mulheres se percebe que falta a eles mecanismos que possam coibir os ataques específicos a este grupo demográfico. No caso das leis Maria da Penha e do feminicídio, por exemplo, o racismo não aparece vetor de violência. Para ambas as especialistas, há uma demanda por qualificação de educação social sobre racismo, práticas de prevenção, falta ensino e compreensão da população brasileira. Contudo, é necessário que haja um sensibilização de policiais e operadores da lei no geral quando ao racismo e como ele opera no contexto de violência contra a mulher nas suas práticas cotidianas. 

“Na defensiva 24 horas”

“Quando assumi meu cachos e me aceitei como mulher negra, eu comecei a vivenciar experiências de racismo”, relata a universitária Sabrina Soares de 22 anos.  “Quando você é uma mulher negra, você tem que estar na defensiva 24 horas por dia”.

Sabrina lembra que certa vez,  no ônibus, a caminho da faculdade,  adormeceu durante o trajeto. De repente, foi surpreendida por uma agressão. “Um homem branco me acordou com um tapa e disse ‘levanta daí, sua preta safada, você não está vendo uma gestante aqui querendo sentar’” A estudante se levantou e discutiu com o agressor. “Ao observar as cadeiras preferenciais, notei que elas estavam ocupadas por jovens brancos. Ele passou pela catraca e continuou me xingando. Os outros passageiros ficaram chocados com atitude dele, mas ninguém fez nada”.

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