A noite de sexta-feira, 27, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) foi especial e teve teve como ponto alto a exibição de uma entrevista de 2017 de Marielle Franco , vereadora do PSOL carioca assassinada em 14 de março deste ano, no Rio de Janeiro. Ela completaria 39 anos ontem. “A gente atua na política sempre que busca sobreviver”, diz Marielle em um dos trechos da reportagem. O rosto da vereadora tomava conta do telão na Casa de Cultura Paraty.
A conversa exibida postumamente deixou clara a questão maior levantada pela hashtag #MarielleVive, símbolo de um movimento que já ganha a seara internacional: quem a matou e por quê? Na Flip, a discussão em torno de lutas que compunham a intensa atividade da vereadora também marcaram presença no debate em torno da coleção Feminismos Plurais (ed. Letramento), organizado pela filósofa Djamila Ribeiro.
Durante o mestrado, conta Djamila, ela nunca estudou nenhuma mulher (negra ou não). Tampouco filósofos negros foram discutidos em sala de aula.
“Não é que a gente não produz”, disse. “O problema é a invisibilidade dessa produção.” Pensadores negros, afinal, não faltam – e alguns deles presentes ao evento se juntaram a Djamila.Foi o caso de Juliana Borges, autora do artigo “O que é encarceramento em massa?”, na coleção elaborada pela filósofa.
“Na universidade, eu achava que ia ter descanso da política, e foi justamente quando se discutia a entrada da polícia no campus”, contou Juliana, moradora da periferia paulistana que estudou na Universidade de São Paulo (USP), onde se avaliou a presença da Polícia Militar após uma onda de crimes, em 2015.
Empoderamento – Tema predominante, este ano, na edição da Flip, o empoderamento feminino também ganhou espaço na noite de sexta-feira, penúltimo dia do evento realizado na cidade litorânea histórica do Rio de Janeiro, na fronteira com o estado de São Paulo.
Joice Berth, autora do livro “O que é empoderamento”?, foi a primeira instada a responder a questão que o título de sua obra levanta.
“Ao contrário do que tem sido colocado por aí, não é um conceito fácil de entender nem de se colocar em prática”, disse a autora, explicando se tratar de um processo pelo qual devem passar grupos minoritários em busca de igualdade social. Mas o conceito de minoria também foi questionado – afinal, a população feminina negra no Brasil registra uma porcentagem expresssiva.
“As pessoas continuam falando que a gente não é minoria, é maioria, pois somos mais de 50%”, disse a Joice. Na avaliação da autora, é importante entender minoria no conceito social: aqueles que têm menos direitos do que certo grupo. “Poucos de nós conseguem furar esse bloqueio”, declarou. “Eu, que sou preta mais escura, desde criança sei o que somos porque tem o coleguinha que nos xinga na escola”.
Djamila Ribeiro, autora de “Quem tem medo do feminismo negro?” (Companhia das Letras), conta no livro que ficava isolada na hora do recreio. “Os meninos diziam na minha cara que não queriam formar par com a ‘neguinha’ na festa junina”, diz.
A filósofa alertou que “até a própria militância usa de forma equivocada” diversos conceitos importantes ao debate. Citou, como exemplo, quando alguém se refere a um homem branco e diz: “Cala a boca porque você não tem lugar de fala”. Todos, lembrou Djamila, têm lugar de fala – apenas devendo entender qual é esse lugar. Na opinião de Djamila, é preciso que cada um tenha consciência de sua posição no “tabuleiro social” antes de falar.
Internet – Ainda sobre conceitos, algo tão disseminado sem qualquer critério nas mídias eletrônicas, Djamila, oportunamente lembrou da importância de se ter cuidado com a internet. “Gosto das redes sociais, sou muito atuante nelas, mas há muita superficialidade em temas muito complexos”, reconheceu. “Não é porque o Facebook está perguntando o que a gente está pensando a gente tem que responder, né? Se você tá na internet falando besteira, tem como pesquisar [o assunto] no Google.”
Com informações da Folhapress