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Brasil

“Energia nuclear vale o risco”

Especialista garante que há mais mitos que verdades na desconfiança que cerca essa fonte

Lindauro Gomes

21/10/2019 6h32

Foto: Ministério de Minas e Energia/Divulgação

Lucas Neiva
[email protected]

No último dia 26, o Governo Federal informou, por meio do Secretário de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia, que estuda a possibilidade de construir seis usinas nucleares no Brasil até 2050. A construção deve ser incluída no Plano Nacional de Energia, com a previsão de investimento de R$ 30 bilhões e com expectativa de gerar 1 GW de potência em cada nova usina, totalizando em 9,3 GW a quantidade de energia gerada pela matriz nuclear brasileira, que atualmente conta com duas usinas ativas (Angra I e Angra II) e uma terceira em construção (Angra III).

A construção das novas usinas vai aumentar em 367% a produção energética nuclear no Brasil, que atualmente representa 1,2% da matriz energética brasileira de acordo com o Sistema de Informações Energéticas (SIE) do Ministério de Minas e Energia. Mas, apesar do crescimento que isso representa na produção elétrica do Brasil, a energia nuclear ainda é vista com desconfiança. Para compreender melhor a natureza e os mitos por trás dessa modalidade, o Jornal de Brasília ouviu o professor Oyanarte Portilho, do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB).

Átomos que geram luz

O processo que leva à produção da energia nuclear começa no enriquecimento do urânio após sua extração: “O minério de urânio possui dois isótopos [variações]: o urânio 238 e o urânio 235. O urânio 235 aparece na natureza em uma concentração de 0,7% em relação ao 238, mas a central nuclear precisa de algo em torno de 2-3% para funcionar de maneira eficiente. Então é preciso processar esse urânio bruto para aumentar a proporção do urânio 235. Esse é o chamado processo de enriquecimento de urânio”, explica Portilho. 

Tanto a extração do urânio quanto o seu enriquecimento podem ser feitos no Brasil, que possui grandes jazidas em seu próprio território e desenvolveu por conta própria a tecnologia de ultracentrifugação para o enriquecimento. Portilho conta que não há motivos para se preocupar com o uso do enriquecimento para a criação de armas: para a fabricação de bombas nucleares, é necessário enriquecer o urânio em 90%, um processo demorado e custoso mesmo com as tecnologia mais avançadas.

Depois de enriquecido, o urânio é convertido em hastes de combustível sólido e enviado à central nuclear, onde ocorre a reação em que é produzida a energia. “Quando você bombardeia o urânio 235 com nêutrons, ele se torna instável e se quebra em fragmentos menores. Essa reação é a que produz energia, a chamada fissão do urânio. Ela é a origem da energia gerada nos reatores e nas bombas nucleares. Se realizada de forma controlada, você tem uma central nuclear. Se for liberada de forma instantânea toda a energia da amostra, você tem uma bomba”, explica o professor.

Os nêutrons vêm de substâncias radioativas que emitem essas partículas. Para controlar a reação, os reatores possuem barras feitas de materiais capazes de absorvê-lo. Essa reação gera uma grande quantidade de calor, que é utilizado no núcleo produzir vapor d’água, que é injetado em uma turbina ligada a um gerador que produz a energia.

Mais prós que contras?

Colocando as vantagens e riscos da energia nuclear na balança, o professor Portilho considera que as usinas valem a pena. “Eu acho que ainda vale a pena investir em energia nuclear. Mas isso não impede de aproveitar outras fontes: o Brasil precisa aproveitar tudo o que tem”, declara.

A principal vantagem da energia nuclear no Brasil, para ele, é a possibilidade de produzir energia sem depender de outros países, pois o país possui toda a tecnologia necessária para extrair o minério de urânio, enriquecer e transformar em energia. “É uma opção a mais na nossa matriz energética, podendo complementar as demais fontes como hidrelétricas e usinas eólicas”, defende.

Segundo o professor, os pontos negativos da energia nuclear são o risco de acidentes e a necessidade de dar destino correto aos resíduos resultantes — que precisam ser armazenados em segurança, por décadas.
Outro problema apontado é o preço de construção das usinas: Angra III, por exemplo, já ultrapassa os R$ 10 bilhões, mesmo ainda não concluída. Porém, o custo da energia gerada não vai gerar grande impacto nas contas de luz.

Sobre acidentes: “No Brasil não há fenômenos naturais como tsunamis e maremotos, e as usinas que temos já foram construídas há muito tempo, não havendo mais a necessidade de realizar testes que constituam risco”, afirma o professor — acrescentando que “mesmo os pequenos acidentes são reportados para que demais gerentes de usinas do mesmo modelo fiquem sabendo e possam se prevenir”. “É um aprendizado constante que se acumula desde a década de 1950. Fora esses casos mais difíceis de prever, como o de Fukushima, acho difícil ocorrer um novo acidente de grandes proporções no Brasil e no mundo. As usinas são razoavelmente seguras.”

Acidente

Fukushima e Chernobyl

Oyanarte esclarece que as catástrofes já ocorridas em usinas nucleares ocorreram em situações fora do comum. E citou os dois casos mais importantes: Fukushima, no Japão, e Chernobyl, na Ucrânia.

O pesquisador explica que o desastre de Fukushima foi provocado por uma catástrofe natural que ultrapassou o esperado por seus projetistas. “Foi um acidente gerado por um maremoto; os sistemas de segurança entraram em curto-circuito, fazendo a pressão do reator sair do controle e explodir.”

O acidente de Chernobyl foi provocado por imprudência de seus gestores. “Foi um teste: quiseram testar se a usina conseguia funcionar em determinados parâmetros, mas o fizeram de forma inadequada e a situação saiu do controle.” 

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