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Vinhos e Vivências
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Filipa Pato – Baga Terroirista

Filipa concedeu entrevista à coluna em um almoço oferecido pela importadora Porto a Porto, que é a sua representante no Brasil

Cynthia Malacarne

31/03/2023 5h00

Atualizada 30/03/2023 17h30

Foto: Renato Raphael

Já vou começar a coluna de hoje avisando para o leitor que não tenho como escrever sobre os vinhos da Filipa Pato deixando minha emoção de lado. Tenho profunda admiração pela forma como ela elabora seus vinhos, o resultado na taça é extraordinário.

Você deve estar se perguntando o que significa o termo “Terroirista”. Vem de “terroir”, expressão do lugar, das pessoas envolvidas no manejo da terra, elaboração do vinho e do clima da região. Essa expressão é muito utilizada pelo grupo “Baga Friends” para a promoção da região da Bairrada e seus vinhos.

O mundo do vinho é feito de paixão, de histórias, encontros e partilhas. Acredito que no Brasil estamos prontos para um próximo passo, que seria consumir vinhos com responsabilidade e respeito ao produto e seu produtor. Estamos preparados para beber menos rótulos e mais vinhos de terroir, sem maquiagem, biodinâmicos, que expressam seu lugar de origem, valorizam as pessoas que trabalham na terra e com sustentabilidade ambiental.

Os vinhos da Filipa Pato e seu marido, William Wouters, possuem todas essas características. Filipa é portuguesa e tem a Bairrada como o seu local de origem, ali elabora seus vinhos e difundi sua região e castas ao redor do mundo. Tive a oportunidade de entrevistá-la, em um almoço oferecido pela importadora Porto a Porto, que é a sua representante no Brasil.

Espero que gostem da entrevista e se arrisquem a beber menos e melhor! Mais Baga e menos Malbec (risos).

Vinhos e Vivências: Você e seu marido são os primeiros produtores de vinho que converteram o vinhedo para o modo de produção biodinâmico na Bairrada. Quando começou essa mudança e o que isso representou em termos de qualidade para seus vinhos?

Filipa: Iniciei a elaboração de vinhos em 2001 e em 2006 comecei a descobrir os bons “terroirs” da Bairrada, a comprar vinhas velhas e centenárias e continuar o manejo desses vinhedos de forma convencional cortava-me o coração, foi quando decidimos pela conversão para as práticas biodinâmicas. Não foi uma mudança fácil, tive que estudar muito e compreender todo o processo, especialmente lidar com o clima da Bairrada que é bem complicado para fazer biodinâmico. Tinha muitos desafios para resolver. Graças a nossa equipe dedicada conseguimos obter bons resultados. Atualmente são 14 hectares de vinhedo certificado biodinâmico e 6 hectares que estão em conversão.

Em termos de qualidade nos vinhos, o modo biodinâmico gera uma uva mais sana, forte, sem o uso de produtos químicos como herbicidas e pesticidas. O resultado dentro da adega, no momento da vinificação, é de menor intervenção, uma vez que a fermentação alcóolica ocorre de forma natural, sem a adição de leveduras selecionadas. Também não utilizamos produtos para colagem nem filtragem, o que torna nossos vinhos mais puros, complexos, que são realmente a expressão do seu lugar de origem. Mantemos o frescor e todos os aromas primários das castas que utilizamos.

As práticas do cultivo e elaboração de vinhos biodinâmicos encarecem o produto final?
Por ser um trabalho árduo com pouca mecanização, é muito mais manual, a equipe de pessoas que trabalham conosco é muito grande, comparado com a área de vinhedos que temos, e é importante as pessoas entenderem que isso não pode ser barato. Essa é uma das coisas difíceis de batalhar aqui no Brasil, em virtude dos impostos elevados que afetam esses produtos, os vinhos biodinâmicos acabam sendo um pouco mais caro. É preciso educar o consumidor para esse tipo de produto, mostrar que o trabalho por trás desse vinho é manual, exige muito esforço, horas de mão de obra braçal, não mecanização e há também todo o entorno que deve ser trabalhado, com policultura e animas no terreno.

Prefiro que as pessoas bebam menos e melhor, cada vez há mais essa tendência, o vinho é para beber com moderação e a evolução em um panorama mundial é beber menos e melhor. O vinho biodinâmico não tem resíduos, tem uma riqueza incrível e reflete o ecossistema que possui em cada vinhedo. Na Bairrada temos a vantagem de ainda poder ter policultura, como oliveiras, figueiras, macieiras e arbustos que faz com que a vinha viva melhor.

A casta Baga trouxe para a região da Bairrada notoriedade, muito críticos internacionais passaram a cultuar essa variedade de uva. Você acredita que este movimento favoreceu outras castas da região como Bical, Cercial e Maria Gomes? Incentivou também o enoturismo e difundiu os espumantes da Bairrada?
Sim, sem dúvida. Acho que a Bairrada estava um pouco esquecida, mas também é bem menor do que as outras regiões vitivinícolas de Portugal. Possui apenas 5.000 hectares, comparando com o Douro, Alentejo e Dão é minúscula. Além disso, é uma região muito mais fragmentada, ou seja, temos vinhedos muito mais divididos e menores, não é uma área grande em conjunto, com muitos “terrois” diferentes. Acredito que toda essa conjunção de fatores a torna muito rica. O fato de termos a Baga como monovarietal o que também é uma exceção, considerando que o mais popular em Portugal é elaborar vinhos de corte, com várias castas. Na Bairrada essa característica é uma vantagem porque reflete o terroir.

Quais os principais desafios ao cultivo da Baga e sua vinificação?
O desafio da Baga é sobretudo na fase final da vindima porque é uma casta que tem uma pele super fina e se chover no momento da colheita complica bastante. Além disso, tem que controlar a produção por hectare, não pode ter grandes rendimentos que aconteciam antigamente. Para ter qualidade é preciso ter um rendimento bem controlado.

Em 2021 você recebeu o título de Enóloga do Ano 2020, pela renomada Revista de Vinhos. Como foi para você obter esse reconhecimento?
Foi ótimo, não estava a espera de receber esse prêmio tão cedo, mas se justifica porque desenvolvemos um trabalho realmente único na região, fomos pioneiros na conversão para o biodinâmico e procura de “terroirs” e vinhas velhas. Importante ressaltar que foi graças a minha equipe que é muito dedicada que consegui essa notoriedade. Já estávamos muito evidentes na imprensa internacional, inglesa e americana, com nossos vinhos muito bem classificados na Decanter e Wine Spectator, que estivemos no TOP 100. Tudo isto para uma vinícola pequena é algo notável. Foi muito bom a Revista de Vinhos estar atenta a todo esse sucesso e nosso trabalho. Ser reconhecida dentro do próprio país foi gratificante.

O brasileiro ainda não tem muita familiaridade com a casta Baga igual tem com a Touriga Nacional, por exemplo, assim, gostaria que deixasse aqui a indicação de um vinho seu, para uma pessoa que ainda não provou nenhum vinho elaborado com essa variedade.
Para um iniciante no mundo da Baga indicaria o Vinho Dinamica Tinto elaborado com as vinhas novas, que replicamos um pouco o que fazemos no vinhedo antigo, como seleção massala, densidade de plantação maior, olhamos mais para os 80 e 100 anos atrás do que para os últimos 20 e 30 anos, porque a viticultura de uma vinha antiga é muito melhor. O Dinamica é um vinho mais leve, com menos extração, e pode ser bebido jovem, com uma componente aromática complexa e que conquista logo de imediato o degustador.

Em Brasília você pode comprar os vinhos da Filipa Pato pelo site www.grandeadega.com.br

Vinhedo Lacustre – vinícola urbana

O Vinhedo Lacustre está localizado a apenas 15km de distância da Rodoviária do Plano Piloto. É a primeira vinícola urbana de Brasília. Com apenas 1 hectare de vinhedos espalhados pelo terreno, no setor de chácaras do Lago Norte, o local possui uma vista privilegiada.

A produção de vinhos neste local ainda é pequena, mas bastante relevante. Os vinhos elaborados seguem o processo de microvinificação, que repete o passo a passo da vinificação tradicional de grandes volumes, porém em escala muito menor.

A boa notícia é que o local está aberto a visitação, inclusive oferece um curso básico de vinhos durante a semana, piquenique nos vinhedos, visita guiada e degustação nos finais de semana. O proprietário da chácara, Marcos Ritter e o enólogo Carlos Sanabria recebem os visitantes. As principais variedades de uvas cultivadas são Merlot, Shiraz, Cabernet Sauvignon, entre outras.

Para participar de qualquer uma das opções, é necessário agendar com antecedência pelo telefone (61) 98145.9929 e pelo Instagram @vinhedolacustre. Os valores variam de acordo com a opção escolhida.

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