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Quinto Ato
Quinto Ato

Sobre utopias e civilização

Theófilo Silva

17/11/2022 5h00

Atualizada 16/11/2022 17h33

Naquele que talvez seja o mais famoso discurso da história da literatura, o de Marco Antônio no funeral de Júlio César, na peça homônima de Shakespeare, o tribuno romano revoltado com a morte do grande general e estadista diz para a plateia que o assistia: “Oh, inteligência fugistes para os irracionais, pois os homens perderam o juízo’. Marco Antônio sabia que a estupidez que fora cometida pelos senadores ao matarem Júlio César, o grande estadista, dentro do senado, em nome de uma suposta democracia, era um erro colossal. Diria que essa frase resume muito do que estamos passando nesses últimos três anos de pandemia, confusões e conflitos.

O chamado socialismo utópico que vigorou no início do século XIX teve entre seus expoentes o conde de Saint-Simon, um nobre francês, que sonhava com um mundo melhor, mais pacífico aonde ricos e pobres poderiam fazer um acordo e viverem em harmonia. Mesmo assim, ele dividiu a sociedade entre Produtores e Ociosos. E mais na frente, como o acordo não vigorou, ele e mais outros filósofos que pensavam como ele foram chamados de socialistas utópicos. O sonho desses homens era uma utopia. O socialismo e o comunismo só iriam vigorar no início do século XX, quase oitenta anos depois. Mas não é sobre socialismo ou comunismo que quero falar. Quero me deter apenas em uma das reflexões do conde francês, que jogam uma luz sobre o momento doentio que estamos vivendo. O de confronto permanente, de caos, de fanatismo, de pessoas tresloucadas agindo com violência, atacando a democracia, pregando a desordem permanente, a barbárie, e tentando destruir aquilo a que chamamos de Civilização. A presença de pessoas acampadas na porta dos quartéis, pedindo a anulação das eleições, defendendo um golpe e a implantação de uma ditadura no Brasil… é demais para nossos estômagos. Já não bastasse tudo o que sofremos antes e durante as eleições presidenciais mais disputadas e tensas da história do país.

Confesso que não sou um bom conhecedor do que chamamos de socialismo utópico, mas é que em sua análise, Saint-Simon faz uma leitura e uma constatação histórica tão curiosa, tão pertinente que parece explicar estupidez que tomou conta do Brasil nesses últimos anos. Aliás, não só do Brasil, mas de boa parte do mundo. Vejam que interessantes, as colocações do genial francês: “A lei do desenvolvimento humano… revela dois estados distintos e alternados da sociedade: um, orgânico, no qual todas as ações humanas são classificadas, previstas e reguladas por uma teoria geral, e o propósito da atividade social é claramente definido; outro crítico, em que toda ação comum e toda coordenação deixaram de existir e, a sociedade é apenas um aglomerado de indivíduos separados em conflito uns com os outros”.

E prossegue Saint-Simon: “Nas idades orgânicas, os problemas básicos (políticos, religiosos, econômicos, morais) receberam soluções provisórias. Mas logo o progresso alcançado com a ajuda dessas soluções, e sob a proteção das instituições criadas por meio delas, tornou-as inadequadas e demandou novidades. Épocas críticas – períodos de debates, protestos, substituíram o velho estado de espírito por dúvida, individualismo e indiferença aos grandes problemas… Em períodos orgânicos, os homens estão ocupados em construir; em períodos críticos estão ocupados em destruir”.

Pois é, diria que estamos vivendo em um “período crítico” em que “A sociedade se tornou um aglomerado de indivíduos separados em conflito uns com os outros… e estão ocupados apenas em destruir”. Vejo muita pertinência na tese do conde francês, e não encontro explicação melhor que essa para o que estamos vendo. Pois o que parece, é que “Os homens perderam o juízo… e a inteligência fugiu para os irracionais”, haja vista tanta loucura. Perguntem pra Regina Duarte! A eleição presidencial nos dá esperança de dias melhores. E esperamos que a barbárie vá embora e entremos em um Período Orgânico, como quer Saint- Simon.

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