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Quinto Ato
Quinto Ato

Maquiavel, os farsantes e os iludidos

Maquiavel diz que “um hábil dissimulador sempre encontrará muitas pessoas que se deixam iludir”. Atualmente, o Brasil é vítima dessa situação

Theófilo Silva

25/08/2022 12h27

Reprodução

Cícero achava, assim como seus contemporâneos romanos, que “quem pensa que pode conquistar glória duradoura pela simulação está muito enganado”, e que “todas as simulações logo caem por terra como flores frágeis”. Niccolo Machiavelli, ou Maquiavel, quinze séculos depois, discorda dele, dizendo que os homens, em sua maioria, são simplórios e propensos a se iludir, aceitando as coisas tais como se apresentam, sem críticas, julgando apenas pelas aparências. Ou seja, que “todos podem ver o que aparenta ser” e “poucos veem o que realmente é”. Assim, “um hábil dissimulador sempre encontrará muitas pessoas que se deixam iludir”. Com essas afirmações, aparentemente simples, o mal-afamado florentino criou o que mais tarde seria chamado de Ciência Política.

O mundo está cheio de farsantes, e nenhuma seara é mais propensa à existência desses indivíduos dissimulados do que a arena política, dos homens públicos, em particular, os detentores de mandato, que perseguem alcançar os degraus da escada do poder até o topo. Para isso, a maioria deles faz da mentira sua grande aliada. O Brasil é vítima dessa situação. Nosso atual presidente da República é o exemplo vivo de um mentiroso perverso que distorce a realidade o tempo todo. Sem contar com seus fiéis escudeiros Artur Lira e Ciro Nogueira, dois horrorosos representantes da oligarquia nordestina.

No tempo de Cícero, século I a.C., e Maquiavel, século XVI, era mais fácil os cidadãos terem uma visão melhor de seus governantes, já que havia contato pessoal nos eventos públicos. Nos dias de hoje, a aproximação se dá apenas no período eleitoral. No resto dos anos, toda a visão é formada à distância, por intermédio das redes sociais e dos veículos de comunicação.

Ainda no mesmo século de Maquiavel, Shakespeare concorda com o ilustre florentino, desnudando toda a comédia humana com seus mais de mil e trezentos personagens. Em obras como Hamlet, Rei Lear, Macbeth, Antônio e Cleópatra e outras, o bardo desnuda a alma dos governantes, deixando-as nuas e expostas ao sol. Quando Othelo, traído pelo falso Iago, diz que “Os homens deveriam ser o que parecem”, ele estava repercutindo Maquiavel.

O que transformou Maquiavel, detentor do substantivo ‘maquiavelismo’ e do adjetivo ‘maquiavélico’, sinônimas de maldade, foi seu ateísmo e desprezo pelo cristianismo. Muito embora ele achasse a religião importantíssima para organização da sociedade, sua falta de fé, em um período em que todos acreditavam em Deus – principalmente, os príncipes – e eram católicos, contribuiu muito para que suas completamente lúcidas ideias acerca dos homens públicos e da política o tenham transformado num perverso aos olhos dos que o leram em seguida.

E assim, esse homem que enxergou demais teve sua imagem completamente deturpada, sendo visto por muitos como um malvado. Sua imagem entre as pessoas comuns, na sociedade em geral, é a de um pervertido que só vê o lado ruim do ser humano. Somente os estudiosos são capazes de enxergá-lo como uma espécie de vidente, apesar de ainda haver uma parcela, não desprezível, que o agride.

A humanidade tem uma dívida enorme com Nicollo Machiavelli, esse cidadão da fulgurante Florença, contemporâneo de Leonardo da Vinci e Michelangelo Buonarotti – em nenhuma época do mundo uma região pariu, e teve três gênios de tão grande envergadura trabalhando tão perto um do outro. Se uma parcela mínima da sociedade conhecesse as análises que Maquiavel fez sobre o exercício da política, tenho a certeza que teríamos governantes e parlamentares muito melhores do que temos tido, em qualquer lugar do mundo.

E uma nação que tem homens públicos probos e trabalhadores tem uma sociedade mais justa. E assim, a escória corrupta e hipócrita de imagem forjada em cima da mentira e da farsa, em aliança com a imprensa e instituições coniventes, é forte e atuante, alimentada pelos inocentes que não conseguem enxergar os tratantes. Esses perversos trabalham criando factoides e viralizando-os na esgotosfera. Mas, muitos “caem por terra como folhas frágeis”, como disse o grande Cícero.

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