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Quinto Ato
Quinto Ato

Brasília, sonho de todos

Se engana quem pensa que a capital do país foi fruto de um desejo de um presidente, um único homem. Brasília é resultado do sonho de milhares de homens

Theófilo Silva

21/04/2023 5h00

Atualizada 20/04/2023 10h52

Foto: acervo público do DF

Se Ariel, o ser alado, mágico, personagem da peça ‘A Tempestade’, de Shakespeare, ambientada numa ilha deserta e inóspita, “cheia de árvores e sons de bichos”, sobrevoasse o Planalto Central do Brasil no dia de hoje, ele iria achar estranho o novo ambiente, e com certeza diria: “Oh, que maravilha, como é bela a humanidade! Oh, admirável mundo novo em que vivem tais pessoas”.

Pois se existe uma frase de Shakespeare que sintetiza bem o impacto que devem ter sentido todos aqueles que conheciam o enorme espaço vazio no meio do cerrado, no coração do Brasil, e de repente, estupefatos, como se acordassem de um sonho, vissem Brasília, após sua rápida construção, como se fosse obra de um milagre, esta frase é: “Oh, maravilha, como é bela esta cidade”.

Sabemos que Brasília foi construída no meio do nada, na solidão do coração do Brasil. Mas o que muita gente não sabe é que a capital do país não foi produto de um “Sonho de uma noite de verão”, de um rompante de um presidente, de único homem, mas sim de muitos brasileiros — e até mesmo estrangeiros. Este sonho teve início no século XVIII, com os inconfidentes mineiros, Dom João VI, Marquês de Pombal, Visconde de Porto Seguro, Luís Cruls, Floriano Peixoto, Getúlio Vargas, Epitácio Pessoa, para citar apenas os principais atores.

Foi Dom Bosco, em 1841, que viu Brasília num sonho. O padre italiano previu “o nascimento de uma rica e próspera civilização no hemisfério sul, no mesmo paralelo onde seria construída a futura capital federal, o local da terra prometida”. Falando para sua congregação, Dom Bosco disse que ouviu uma voz que lhe disse várias vezes: “Quando escavarem as minas escondidas no meio desses montes aparecerá aqui a grande civilização, a terra prometida, onde correrá leite e mel. E será de uma riqueza inconcebível. […] E que essas coisas acontecerão na terceira geração”. Não foi na terceira geração, mas perto disso.

Mas um sonho precisa de alguém para realizá-lo. E foi Juscelino Kubitscheck, o carismático e simpático presidente da República, com seu lema ”Cinquenta anos em cinco” que arregaçou as mangas e resolveu transformar o anseio de quase dois séculos em realidade. Foi ele o construtor, que juntamente com Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Burle Marx, criaram a belíssima Brasília dos sonhos de Dom Bosco.

Mãos à obra! Homens de diversos lugares do país trabalharam para erguer a capital do país, em 1960. Foto: Mário Fontenelle/arquivo público do DF

A quantidade de obstáculos que Juscelino enfrentou para construir a capital em apenas cinco anos fez da missão uma tarefa hercúlea, que somente um homem provido de coragem e raro traquejo político seria capaz de fazer. Para começar, havia o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, que há quase 200 anos substituíra Salvador como capital do país. Sem contar os enormes custos da construção de uma cidade a partir do zero, havia todo um gigantesco contingente de funcionários públicos que não queriam se mudar para o “meio do deserto”, longe do litoral carioca, longe de Copacabana, longe do Carnaval! Uma imprensa que o questionava o tempo todo: “O senhor está louco de construir uma cidade no meio deserto?”. Onde ele ia achar água, se não havia um rio?! Mas Juscelino fez um rio. Mandou cavar e criou um enorme lago artificial que nunca deixou faltar água na cidade. Juscelino queria uma capital como Nova Delhi, Washington, Wellington, seguir a nova tendência mundial.

Jk e Lúcio Costa lado a lado. Foto: Mário Fontenelle/arquivo público do DF

Juscelino teimou… e venceu. Os brasilienses nasceram, mais brasileiros vieram para a cidade, e hoje já são mais de três milhões deles. Brasília foi concebida como um ser alado, um Ariel, um avião prestes a decolar com suas enormes asas sul e norte, transformadas em blocos de apartamentos cheios de pessoas, com sua fuselagem de prédios públicos de arquitetura revolucionária e inovadora que encantam o resto do Brasil e o mundo. Assim, Brasília venceu a tempestade humana contrária à sua existência. Dom Bosco virou o patrono da cidade, e Juscelino, uma estátua na Esplanada. Brasília é hoje uma sessentona que decolou, encantando o mundo com sua beleza, e hoje voa junto com Ariel, ecoando a frase de Shakespeare: “Nós somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos”.

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