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Você é racista?

Essa é uma discussão que volta à baila com os últimos acontecimentos, especialmente com o caso de João Alberto

Pragmática Psicoterapia e Cursos

23/11/2020 18h00

Você é racista?

Por Dr. Carlos Augusto de Medeiros

Não resta dúvida que o racismo nunca deixou de existir no Brasil. Por outro lado, no movimento cíclico dos valores sociais, estamos passando por um momento triste no qual os diversos preconceitos se agravam, inclusive, o racismo.

Por não ser o meu lugar de fala, quero abordar a questão por um ângulo diverso. Recentemente orientei uma monografia de conclusão de curso de graduação na qual perguntávamos a universitários se estes se consideravam racistas, machistas, homofóbicos, ageistas etc. Após duas semanas, esses mesmos participantes jogaram um jogo de tabuleiro no qual deveriam decidir com lidariam com situações cotidianas, como, por exemplo, “se você se deparasse com um preto vindo em sua direção em uma rua escura à noite, mudaria de calçada?”

O resultado, ao meu ver, nada surpreendente, é uma ausência de correspondência entre as respostas dadas ao questionário e ao jogo. Ou seja, os participantes não se julgavam preconceituosos (racistas, por exemplo) num primeiro momento, mas, nas situações práticas, fizeram escolhas preconceituosas, muitas vezes apresentando justificativas socialmente aceitas para fazê-lo.

Parece que essa pesquisa ilustra bem o preconceito estrutural que nos deparamos no dia-a-dia e na ausência de autoconhecimento do(a)s brasileiro(a)s acerca do seu próprio racismo. Quem nunca ouviu frases do tipo: “meu melhor amigo é negro”; “Já peguei muitas pretinhas”; “tenho funcionários negros”; “meu cantor favorito é negro”; etc.

Tais frases são extremamente racistas e são frequentemente utilizadas como argumentos contra a acusação de racismo. Pessoas que as emitem estão sendo extremamente racistas ao se considerarem superiores à(ao)s preta(o)s ao ponto de fazerem uma concessão ao tê-la(o)s como amiga(o)s, apreciá-la(o)s como artistas, ou flertar com ela(e)s etc.

Preto(a)s não são só excelentes atletas, dançarino(a)s e músico(a)s, também são excelentes psicólogo(a)s, médico(a)s, engenheiro(a)s e estadistas. Não podemos esquecer que o melhor presidente que a maior potência do mundo já teve é preto.

Para pessoas como eu, na casa dos 40 anos, não é fácil se libertar do racismo estrutural. Fomos criados fazendo bullying com pret(a)os. Expressões como “moreninha cor de vinil”; “isso é coisa de preto”; “preto só faz merda”; “só podia ser preto” eram banais no nosso dia-a-dia. De modo que, por mais que não nos consideremos racistas hoje, em situações específicas, ainda nos vemos escorregando e tendo posturas, ainda que só em pensamento, racistas.

Mas isso não é desculpa! Não cola a história de “fui criado assim”! Temos que refletir todos os dias sobre as nossas ações que possam ser, ainda que minimamente, racistas. Não está nada bem escorregar em atitudes racistas mesmo que apenas em pensamento. Sou totalmente contra a culpa como forma de controle do comportamento. Mas essa é uma exceção. A culpa, no caso de racismo, deve ser sentida. Devemos utilizá-la como energia para refletirmos e mudarmos as nossas atitudes.

É claro que todas as vidas importam. Mas é triste ter que lembrar em eventos como o de ontem no Carrefour, que vidas negras importam. Enquanto pessoas continuarem sofrendo violências dos mais diversos níveis pela cor da sua pele, teremos de bradar “vidas negras importam”. Rebater essa frase com “todas as vidas importam” só ilustra a falta do autoconhecimento acerca do próprio racismo.

A reflexão que quero deixar com esse texto é: aceite que você pode ser racista sem saber. Se observe, se inspecione, se questione e lute contra a semente racista que há dentro de você. Só assim, ao meu ver, podemos avançar na luta contra o racismo estrutural.

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