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Caso Mariana Ferrer: Estupro culposo? O que é uma mulher para nós homens?

Até quando vamos permitir que casos como o de Mariana Ferrer continuem acontecendo? Somos, de fato, civilizados?

Pragmática Psicoterapia e Cursos

05/11/2020 10h45

Caso Mariana Ferrer: Estupro culposo? O que é uma mulher para nós homens?

Caso Mariana Ferrer: Estupro culposo? O que é uma mulher para nós homens?

Por Dr. Carlos Augusto de Medeiros

Mais uma vez nos deparamos com casos em que a dignidade das mulheres é absolutamente usurpada. Há algumas semanas, ficamos enojados com a troca de mensagens do jogador de futebol Robinho acerca do estupro coletivo de uma mulher na Europa. Nesta semana nos deparamos com a mesma questão quanto foram divulgados os vídeos referentes ao julgamento da acusação de estupro de Mariana Ferrer, cujo acusado, o empresário André Aranha, foi inocentado por que o juiz entendeu não “haver dolo” ao estuprá-la. Parafraseando as palavras da promotoria, ele não tinha condições de saber se ela não tinha condições de consentir o ato sexual. A pergunta óbvia que surge é, se ele não tinha como saber se ela estava consentindo ou não, por que diabos ele fez mesmo assim? Por que ele não parou? Ou seja, em situações assim, tem vigorado a máxima: “na dúvida, mande brasa!”

Mas quando diz respeito à vida de outra pessoa, especificamente de uma mulher, não é a mesma coisa de quando se está na dúvida se o carro cabe em uma vaga de baliza ou se o computador tem capacidade suficiente para executar um jogo ou algum aplicativo mais “pesado”. Fazer ou não fazer, nesses dois casos, no máximo, acarretará em um amassado no carro ou em ter de desinstalar o programa. Ao não se considerar os efeitos sobre a outra pessoa, estamos tratando-a como um simples objeto. É muito triste ver que, a despeito de todas as lutas feministas ao longo das últimas décadas, mulheres ainda são frequentemente vistas como objetos ou seres inferiores dos quais, nós homens, podemos usufruir.

Essa história me fez lembrar da minha adolescência, nos anos 80. Naquela época, volta e meia, um dos meus amigos falava em comprar um tal de “tesão de vaca” que, uma vez misturado à bebida das meninas, faria com que elas ficassem loucas de desejo e disponíveis para o sexo. Quem nunca ouviu dos amigos o conselho “quando for sair com uma mulher, leve um vinho, dê bebidas fortes que elas ficam facinhas”. Ao mesmo tempo, são recorrentes festas em que as bebidas para as mulheres são gratuitas ou mais baratas que para homens, cuja meta, obvia, é a de reduzir a resistência aos assédios. Quantas vezes presenciamos e ouvimos histórias de mulheres foram abusadas por estarem alcoolizadas ou drogadas. Posturas como essas só nos mostram como muitos homens veem as mulheres, ou seja, seres cujas decisões devem ser subjugadas a qualquer preço para que façam com elas o que quiserem. Ter relações sexuais com uma mulher justificaria qualquer atitude.

Nessas horas, porém, surgem os velhos argumentos “Não tenho culpa se ela estava tão doida que nem conseguiu me pedir para parar”; “bebeu porque quis”, “Se está aqui é porque está querendo”, “Se não quisesse, não devia ter bebido” etc. Esses argumentos só servem para livrar da culpa legal e/ou moral os abusadores que vemos por aí. Homens, entendam, a mulher pode dizer não a qualquer momento e o não SEMPRE deve ser respeitado, mesmo que ela esteja bêbada, drogada, com sono, sóbria, vestida, seminua, nua ou até, que o coito já tenha sido iniciado.

Não importa se ela dança de modo sensual, se ela dá selinho nas amigas, se ela se veste de modo provocante, se posta fotos sensuais nas redes sociais, se ela já ficou com todos os seus amigos, se já pousou nua ou mesmo, se ela estrelou sucessos de filmes adultos, ela SEMPRE deve ser respeitada. Não é não! Nada justifica os abusos, é CRIME!!

A culpabilização da vítima é uma atitude covarde de abusadores e cúmplices de abusadores. A justiça não pode ser conivente com abusos e deixar impunes os indivíduos que os cometem. Decisões como a da justiça nesse caso e a conivência com a arguição do advogado de defesa de André Aranha incentivam os abusos e inibem as vítimas a denunciarem. Ações assim perpetuam a cultura do estupro.

Não é porque poderia ser com as nossas mães, filhas e esposas. Nenhuma mulher deveria passar por isso. Ainda mais em uma sociedade civilizada. Ou será que não somos civilizados mesmo?

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