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Como aprendemos a sermos homens?

Há alguns anos vêm se debatendo em Psicologia e demais ciências humanas questões sobre a masculinidade.

Pragmática Psicoterapia e Cursos

02/09/2021 14h50

Como aprendemos a sermos homens?

Por Dr. Carlos Augusto de Medeiros

Esse debate vem se destacando com a polarização entre valores conservadores e libertários, o qual tem predominado na sociedade nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que a virada do século foi marcada por uma diminuição da desigualdade entre homens e mulheres acerca de poderes, obrigações e direitos, ainda não chegamos nem perto de acabar com o machismo explícito (por exemplo, a expressão “mulheres devem ganhar menos que homens porque engravidam”), muito menos acabar com o machismo estrutural (por exemplo, interromper uma mulher quando ela estiver falando e não fazer o mesmo quando se tratar de um homem falando). Ainda, com o aumento do conservadorismo mundial nos últimos 10 anos, muitos retrocessos foram observados.

Todavia, há uma reconstrução do masculino, de acordo com a qual, o ser “homem” perdeu certos atributos e ganhou outros. Sem dúvida, definir a masculinidade nos dias de hoje não é fácil, e aspectos transgeracionais são particularmente relevantes. Daí, surgem diversas questões, como o homem: Deve ser o provedor? Deve estar presente na criação da prole? Deve ocupar-se de tarefas domésticas? Deve gostar de futebol e MMA? Deve ser bom de briga?

Deve consumir álcool? Pode se emocionar com músicas ou filmes? Deve falar palavrão? Deve ser fiel? Deve ser promíscuo? Deve ser viril? Pode ser emotivo e sonhador? Deve ser prático e objetivo?

Tendemos a aprender por modelos e reproduzir comportamentos de pessoas que admiramos. Homens de gerações que vibraram com filmes do Sylvester Stallone, do Chuck Norris e do Arnold Schwarzenegger; riram com os “Trapalhões”, “A praça é Nossa” e “Viva o Gordo”; ficaram excitados com programas como “Banheira do Gugu”, “Fantasia” e novelas como “Gabriela” ou “Roque Santeiro”; se masturbaram assistindo pornochanchadas e vendo as fotos de uma “Play Boy”; provavelmente responderiam essas perguntas de modo diferente de homens de gerações mais recentes.

Grande parte dos homens acima dos 45 anos tiveram pais provedores e mães donas de casa. Era uma prática comum pais levarem seus filhos adolescentes para prostíbulos por volta dos 14 anos. Em Brasília, os adolescentes tentavam, em uma óbvia relação exploratória de poder, ter relações sexuais com as empregadas domésticas de suas casas ou das casas de seus vizinhos.

Fora os modelos, tinham as frases: “homem não chora”; “homem não leva desaforo para casa”; “protetor solar é coisa de boiola”; “não abasteço quando a frentista é mulher”; “esquente a barriga no forno e esfrie no tanque”; “brinque com as fáceis e case com as difíceis”; “homem que é homem não nega fogo”; “não pode brochar”; “homem tem que beber”; “não namoro mulher que já rodou na mão da galera”; etc.

Não resta dúvida que esses estímulos ao longo da história do indivíduo terão profundos impactos em como ele vê e vive a masculinidade. Todavia, felizmente, muitas coisas mudaram. Uma das grandes diferenças dos seres humanos em relação às outras espécies é a sua maior capacidade de adaptação às demandas do ambiente ao longo de uma vida.

Ou seja, a despeito de nossa história, podemos e devemos nos adaptar aos novos tempos.

Qual o problema de uma mulher iniciar um flerte? Qual o problema de uma mulher prover financeiramente a família e o homem cuidar da casa e dos filhos? Qual o problema de se emocionar com uma comédia romântica? Qual a necessidade de levar toda mulher atraente que conhece para a cama? O que torna um homossexual engraçado e motivo de chacota pela sua própria orientação sexual? Qual a obrigação de estar sempre disponível para o sexo?

Manter modelos de masculinidade do passado gera sofrimento para homens e para o resto da sociedade, principalmente, para as mulheres. O homem contemporâneo, acima de tudo, é justo. A manutenção de uma família, por exemplo, requer o provimento financeiro, a realização de tarefas domésticas (lavar, passar, cozinhar etc.), o cuidado com a prole, a manutenção da casa (pequenos consertos de elétrica, hidráulica e bricolagem) e o provimento de afeto para os demais membros. O casal, de comum acordo, deve se dividir em todos os aspectos da manutenção da família, de modo que a distribuição seja igualitária. Não há problemas de alguns desses aspectos ficarem ao cargo prioritário do homem ou da mulher, todavia, não faz mais sentido supor que algumas delas são, a priori, exclusivamente do homem ou da mulher.

Nesse texto, foi dado como exemplo um casal heterossexual, mas o mesmo vale para outros tipos de família. Todavia, pessoas heterossexuais parecem ter mais dificuldade em abandonar modos conservadores de encarar a masculinidade.

Também não podemos nos restringir às relações estáveis. O homem contemporâneo solteiro não precisa se provar constantemente pela virilidade, promiscuidade e distanciamento emocional. Conhecer pessoas novas e diferentes pode ser prazeroso, é claro. Todavia, por mais que o machão ainda ganhe tapinhas nas costas pela quantidade de pessoas que leva para cama, penso ser muito triste uma vida sem paixões românticas e até maio bregas.

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