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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

Um sentido da loucura

Paulo Mendes tem uma das belas prosas poéticas da Literatura Brasileira, no livro de crônicas “O amor acaba”, traz um belo escrito, “Para Maria da Graça”

Carlos de Almeida Vieira

27/01/2020 12h00

Atualizada 03/04/2020 15h56

Quem disse que a loucura tem sentido, mesmo a loucura psicótica, além da loucura de todos nós, os normais? Pois bem, momentos de desorganização, de crises intensas de angústia, de desespero em momentos de solidão e sentimento de abandono, diante da consciência da mortalidade, às vezes determinando crises de pânico, lutos não feitos em que a pessoa acha que a solução é morrer com o morto, pesadêlos diurnos, sensação de vacuidade, de estar-sem-sentido na vida, estados de iminência de enlouquecer, enfim, todas essas experiências psíquicas revelam “a loucura de todos nós”.

Viver não é fácil, a pessoa precisa aprender a viver, aprender a aceitar os meandros diabólicos da mente mesmo em momentos de suposta felicidade. Alías, felicidade é um instante, um tempo pequeno e não a fantasia de uma internidade naquilo que os psicanalistas chamam de “permanência no princípio de prazer”. A existência é dialética, é de opostos, de amor e ódio, tristeza e alegria, idas e vindas, a existência se faz não na horizontalidade, mas numa linha helicoidal onde a cada momento expande-se a vida, abrindo-se ao prazer ou a trágica melancolia.

O mineiro Paulo Mendes tem uma das belas prosas poéticas da Literatura Brasileira, em seu livro de crônicas O amor acaba, traz um belo escrito que o denominou de Para Maria da Graça. Lá no texto ele escreve: “Quando ela chegou à idade avançada de quinze anos eu lhe dei de presente o livro Alice no País das Maravilhas. Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti. Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, poís, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucuras. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca… Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história da gente.

No decorrer da crônica, o nosso querido Paulo Mendes transforma sua escrita em reflexões filosóficas, por exemplo: O que Alice aprendeu no fundo do poço foi o significado da sua “sozinhez”, e de lá elaborou que, ao conseguir abrir a porta e de lá sair, tinha um mundo pela frente para existir na direção de Ser, e não somente de existir. Poderia me alongar em várias metáforas do nosso escritor, mas prefiro deixar para outra hora e pensar: Vivemos numa sociedade ativa, movida por cifras, economias, pressa em realizações às vezes vazias, compondo uma sociedade consumista como se o dinheiro, o poder, fossem promessa de felicidade. Os nossos jovens hoje, precisariam de ter uma educação mais “contemplativa”, peocupada com seu eu interior, com a possibilidade de se humanizar mais nesse mundo selvagem. “Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de sofrimento e vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões”, termina sua crônica o meio mais mineiro que conheço!

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