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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

“Os Lábios são metálicos”

Angustiado com a grande metáfora contida num poema eterno – “No meio do Caminho”, poema que nos remete sempre ao “Absurdo“, de Camus

Carlos de Almeida Vieira

15/12/2021 13h07

Foto: Reprodução

“L’amour est á réinventer, on Le sait”

Arthur Rimbaud

Durante a barbárie da 2ª Guerra Mundial, em 1940 foi publicado o intrigante e depressivo livro de poemas, do Itabirano, Carlos Drummond de Andrade, “O Sentimento do Mundo”. Após a primeira fase poética do “Gauche” em “Alguma Poesia”, livro no qual o poeta, ainda pintando com palavras e versos os aspectos de um Eu provinciano, mas já estreando seus versos livres, se preocupava com seu passado observando os aspectos da realidade da pequena Itabira (1930). A tônica era a questão do “eu no mundo”, ou “o eu maior que o mundo”.

Angustiado com a grande metáfora contida num poema eterno – “No meio do Caminho”, poema que nos remete sempre ao “Absurdo“ de Albert Camus. Drummond escreve: “nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra”. O nosso poeta maior já sentia um tombo em sua vaidade e uma grande dor em seu narcisismo, próprio das fantasias onipotentes da jovialidade.     

Nesse momento, o leitor se pergunta: o que isso tem a ver com a questão dos Lábios Metálicos, ou já se antecipando, da questão poético-filosófica do Amor atual? No livro de Rita de Cássia Barbosa -“Literatura Comentada – Carlos Drummond de Andrade”, editora Nova Cultural, encontramos a seguinte citação: “Agora, o Eu dos dois primeiros livros, (Alguma Poesia e Brejo das Almas) cujo coração se julgava mais vasto que o mundo, cede lugar ao poeta marcado pela sensação de impotência. Restam-lhe apenas “duas mãos e o sentimento do mundo”. Drummond intui e sente a ferida narcísica do seu Ideal.

A violência humana, as guerras, o desamor coletivo, o egoísmo dolorido e a falta de esperança na amorosidade, anunciam um futuro desumano, cruel, preocupado com o bem-estar social, a ponto de o poeta compor “Os ombros suportam o Mundo”, onde aparece um verso que sinto muito atual: “…Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil/ E os olhos não choram/ E as mãos tecem apenas o rude trabalho/ E o coração está seco”

Na atualidade os sentimentos estão soterrados pelo medo, pelo pânico de amar, pela crueza do ódio, da frustração e da falta de humanismo, decorrente de uma sociedade voltada para o capital e a tecnocracia. As questões tais como generosidade, compaixão, noção de alteridade, direitos humanos, comportamento ético, comprometimento social-político, dão espaço para uma civilização auto protetora no sentido de um Eu egocêntrico, consumista de bens de mercado e principalmente de pessoas. Hoje a maior drogadição são as pessoas. O descartável é o modo neurótico/perverso/psicótico de se proteger dos envolvimentos afetivos. Tem bastante pertinência o verso drummoniano: “o coração está seco”.

Na última estrofe do poema “Canção de Berço”, ainda em 1935 e publicado em 1940, Drummond anteviu o que Zygmunt Bauman, sociólogo que criou o termo “amor líquido” poetando:

“Os beijos não são importantes./ No seu tempo nem haverá beijos. OS LÁBIOS SERÃO METÁLICOS,/ civil, e mais nada, será o amor/ dos indivíduos perdidos na massa/ e só uma estrela/ guardará o reflexo/ do mundo esvaído/ (aliás sem importância).    

Carlos de Almeida Vieira Médico, Psicanalista. Membro Titular da Sociedade de Psicanálise  de Brasília, Analista Didata; Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo; Membro da Federação Brasileira de Psicanálise e Associação Internacional de Psicanálise (Londres).

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