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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

Notas sobre Thomas Mann

Da sua herança genética traz o sangue alemão, racionalista, irônico, um tanto arrogante e político idealista

Redação Jornal de Brasília

21/07/2021 13h19

Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília.

Literatura e História

A literatura alemã é uma questão muito extensa para se descrever. Seus livros são livros produzidos na Alemanha, Suíça e Áustria. Estamos no século XIX e XX, enfatizando dois pontos: a literatura medieval— A Canção do Nibelungos(1200) e o famoso classicismo de Weimar que mostra as figuras de Goethe(1749-1832) e Schiller(1759-1805). Sua obra marcante foi sem dúvida, o Fausto de Goethe. Entre 1850 e 2000, assistimos obras famosas, contemporâneas de Thomas Mann, de autores tais como, Elias Canetti, Rilke, Bertold Brecht, Kafka, Hermann Hesse e Gunther Grass entre os mais notáveis. Estamos no período das duas guerras mundiais, o trágico período hitlerista, a divisão da Alemanha, e após o movimento  da Tempestade e ímpeto( Strung und Drang) e também a influência da Escola de Frankfurt, onde aparecem genialidades como Adorno e Walter Benjamin. Estamos na história das idéias, no ápice da intelectualidade, da ciência da objetividade, do advento do positivismo, onde as emoções, sentimentos e afetos eram relegados a um plano não científico e repleto de imaginações, fantasias, crenças, mitos.

Thomas Mann, um dos maiores escritores da metade do século XX, nasce em 6 de junho de 1875 em Lubeck, e morre em Zurique, na Suíça, em 12 de agosto de 1955 aos oitenta anos. Prêmio Nobel de Literatura em 1929; Prêmio Goethe em 1949.

Da sua herança genética traz o sangue alemão, racionalista, irônico, um tanto arrogante e político idealista; enquanto carrega nas veias, patrimônio genético de origem brasileira na pessoa da mãe, Silva Bruhns Mann — Mann é um mestiço, e em sua miscigenação encontra mais tarde suas dúvidas, incertezas, paroxismos, entre uma cultura rígida, germânica e outra latina, expressiva emocionalmente, onde mostra seu lado humano, preocupado com a “vida da planície”, ou seja, com a divisão histórica, política e psicológica entre a racionalidade e a afetividade. Traz em sua biografia, a influência da religiosidade mística de Shopenhauer e a filosofia provocativa de Nietzsche —- a tentativa de humanizar o homem que até então seguia os designos dos Deus, do Iluminismo radical, da Reforma Luterana e do desprezo pelo psíquico, psicológico. Estamos ainda na vigência de uma visão humana restrita à Consciência. É influenciado por Goethe, e por Adorno, e talvez aí desenvolve a visão de mundo, onde a poesia, a arte, a ciência seriam a salvação humana, numa dimensão humana. Veremos isso na Montanha Mágica, onde Thomas entra em contato com a fragilidade humana, a doença, a afetividade, a importância do inconsciente e a “cura pela arte”. Convence-se da necessidade de assumir sua missão de escritor e artista. Nota-se em sua obra a importância da música, fato que o liga aos ideais de Wagner. Num ensaio sobre Wagner, Thomas escreve: “Sofredora e grande, como o século XX, do qual a expressão mais rematada, ergue-se diante de meus olhos a figura espiritual de Richard Wagner… o amor pelo seu trabalho, um dos mais grandiosos fenômenos questionantes, polissêmicos e fascinantes do mundo criativo, de seu amor pelo século… com sua vida cheia de inquietação intrigante, atormentada, possessa e incompreendida, que desaguou no brilho da fala mundial… um paixão ao muito pequeno e ao minucioso, ao detalhe anímico. Sim, a grandeza, que sabe encontrar uma felicidade curta, isenta de crença, na embriaguês momentânea da beleza fundante , é seu ser e caráter…”

Thomas Mann vivia num permanente conflito entre seus ideais, privilegiando a razão, às vezes cético, mas não conseguia se desvencilhar do “pessimismo” e da “íntima união musical com a noite e a morte. A arte, os artistas e os cidadãos da planície, ganham uma importância como representantes da humanidade.

A marca importante da escalada de Thomas Mann em sua vida foi sempre o intrigante conflito entre a burguesia e a decadência da sociedade alemã  em geral, com “a degeneração biológica e econômica, colocando-se diante da sociedade com um “homem outsider”. Nas palavras de Anatole Rosenfeld, alguns pontos essenciais moldavam a vida do autor de Morte em Veneza: 1- “O espírito e a arte, e principalmente a música, são para Shopenhauer forças libertadoras da morte( tema permanente em Thomas), portanto forças não burguesas, já que levam o indivíduo à sua auto dissolução no nirvana; 2-o pecado original da individuação é ao mesmo tempo um fenômeno moral, pois somente através dele o processo de dissolução é introduzido e adquire sentido; 3- a metade de todo vir a ser é a “suspensão” da vontade de viver, apaixonada e individual, na unidade do nirvana.” –

Amor, doença e morte —–ver página 169 de Morte em Veneza.  O mesmo se ver no personagem do príncipe Klaus Heinrich em seu romance “Sua Alteza Real”, na pag171.

—-“Natureza sem espírito ou espírito sem natureza dificilmente podem ser chamados de vida”.  

—- “O gênio tem um pé de intimidade com a doença e a disposição natural”.

—-Segundo Otto Maria Carpeaux, em seu livro “A história concisa da Literatura Alemã, Faro Editorial, Thomas Mann é o clássico do gênero Romance, da literatura germânica. Está  ao lado de Balzac, Sthendal, Flaubert, Henry James e outros menos importantes. O Estilo de Mann é sóbrio, um pouco cerimonioso,formado  segundo o estilo de Goethe, e como nesse estilo é cheio de subentendidos, alusões, insinuações, tudo isso mostando perfeitamente sua Ironia: ironia que serve para abrir perspectivas ou para abrandar a emoção profunda, inconfundívelmente romântica. Guarda sempre um estilo latino. Thomas tem sua dialética entre sua alma alemã e seu espírito muito universal. Em Buddenbroks mostra  a história dolorosa da decadência de uma família de patrícios. Foi, nesse sentido, um romance típicamente alemão e ao mesmo tempo o romance da decadência europeia”.

—-No livro do escritor e crítico francês, Michel Zéraffa —   “Pessoa e Personalidade = o romanesco dos anos de 1920 aos anos de 1950”, Editora Perspectiva, há uma passagem interessante que liga Thomas Mann à psicanálise, quando escreve: “Do mesmo princípio decorre, como vimos, o interesse de Mann pela psicanálise: o conhecimento dos “arquétipos”nos ensina através  de quais filiações chegamos àquilo que somos: “Quantas vezes constatei… que a personalidade de meu pai defunto, é, no fundo, o modelo secreto que determina aquilo que faço”.(Freud und die Zukunft).

—-A fascinação é, ao contrário, para Castorp(personagem da Montanha Mágica, o maior perigo. Seu oportunismo e sua lucidez irão  de mãos dadas. Quanto mais a morte está presente (física, com o bacilo; afetiva com uma paixão infeliz,social diante do espetáculo de uma burguesia que encontra no sanatório um porto seguro, ideológica com Settembrini e Nafta, mais o espírito de Castorp ganha em vigilância. Assim Mann resolve a contradição na qual vê debater-se a pessoa numa época de regressão de valores(como a atual):visto que o século priva o homem, do tempo de refletir, antes de agir, de fazer histórias antes de querer transformar o mundo. Era necessário colocar a personagem num universo fechado e sobretudo imóvel,em que a “ascensão da dúvida” seria tanto mais ameaçadora quanto seria traduzida por mensagens( fora do contexto e do espetáculo da vida concreta e movediça) que o herói deveria decifrar …. pois o que Castorp  ensina fundamentalmente é compreender as diversas significações da totalidade humana”.

Por Carlos de Almeida Vieira
Psicanalista, Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade de Psicanálise de Brasília; Membro Efetivo da Sociedade Brasileira da Sociedade de São Paulo, Full Member da Associação Internacional de Psicanálise

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