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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

Louco amor

O ambiente, predominantemente alegre, mostrava ao fundo um salão pequeno de dança. Bebeu, bebeu, até ficar embriagado

Carlos de Almeida Vieira

12/06/2020 18h01

Perdidos se acharam numa noite louca de amor. Há tempos os dois alucinavam encontrar seu “outro”, talvez o igual completando a parte que faltava desde o nascimento.

O jovem resolveu ir a um bar curtir a noite. O ambiente, predominantemente alegre, mostrava ao fundo um salão pequeno de dança. Bebeu, bebeu, até ficar embriagado. Sua visão já deformada enxergava uma jovem, cabelos castanhos, corpo de bailarina, pés afilados, mãos brancas, levando em cada um dos seus dedos um anel rústico. Seus movimentos bailados parecia alguém que estudara balé clássico e dança flamenca. Olhos firmes, negros, deslocando-se de modo panorâmico para todo o ambiente. A cada volta, por segundos, parava de encontro aos olhos do jovem embriagado. Ele, atônito, foi tomado de um estado epifânico de horror e alegria. Os olhos se encontravam cada vez mais e ousado, nosso jovem, Wagner, foi em direção a bailarina, Frida, e começaram a dançar. Os corpos colados, evaporando um calor sensual e sexual, bailavam sem parar. Era uma valsa, uma valsa moderna, meio tango, meio bossa. Perdidos em seus olhares, beijaram-se profusamente. Já na madrugada, sairam para um motel distante e fizeram sexo até que os raios solares anunciaram o amanhecer. Olhos nos olhos; estupefactos, os dois começaram a se estranhar, parecia que acordavam de um sonho ou de uma profunda alucinação. Trocaram os números dos celulares; prometeram ligar; cada um se separou e nunca mais se encontraram. O celular dela era um número mentiroso, o dele, real. Ele enlouquecia de ligar e enlouquecia de esperar atender. Caixa eletrônica, recados, ligações várias, a bailarina não respondia e quem sabe não existia. Ele sonhou? Alucinou?

Todo homem nasce à procura do Outro, esse outro inatingível, que não se recupera jamais, pois foi perdido no ato de vir ao mundo. Todo ser humano, durante toda sua vida, vive procurando, procurando, ainda que tenha achado outra pessoa, que com o tempo percebera que não lhe completava, não preenchia a Falta Primeira. Ninguém preenche a Falta, essa é a grande metáfora da “intolerância de suportar a Castração”. Tema romântico e infindável de Dante e Beatriz e de Don Quixote e Dulcinea, e tantas outras histórias de amor no imaginário dos poetas e literatos. Wagner me lembra Tistão e Isolda; Frida Kahlo viveu uma história com Diego, que ela mesma define: “Não vou me referir a Diego como “meu marido”, porque seria ridículo. Diego nunca foi nem será “marido” de alguém”. Numa outra citação, Frida chega a afirmar: ”Sempre que você sentir desejo de acariciá-la, mesmo que seja apenas na lembrança, acaricie a mim e faça de conta que sou ela, que tal? Citações de Daniel Bullen em seu livro “Amores Modernos”, editora Seoman.

Wagner, personagem desse escrito faz pensar que a questão do amor não é a paixão, estado passageiro, idealizado, onde alguém não ama outra pessoa, e sim, ama a si mesmo na outra pessoa. A questão intrigante que se estabelece é: como será depois da epifania apaixonante? Outro dia uma pessoa me contou a seguinte história: dois namorados num banco de praça se entrelaçavam de beijos e abraços durante vários minutos. Alguém que observava com muito prazer e talvez inveja aproxima-se e diz: “eu quero ver o que acontecerá depois que vocês juntarem as escovas de dente”.

Alucinação e realidade; amor sano e amor insano; expectativa e experiência; miragem e factualidade; idealização e visão integral: todos esses fenômenos apontam para o que Freud em seu belo e doloroso artigo: “Sôbre os dois princípios do funcionamento mental chamou de “princípio do prazer e princípio da realidade”. Alí ele nos alerta para o grande conflito: quando falha a realização alucinatória do desejo, e a realidade se impõe, o Eu necessita para crescer, de pensar sobre a viabilidade ou não do império do prazer. Caso ele (EU) persista em manter a alucinação, estarão abertas as portas da insanidade, da loucura. Meu personagem Wagner demorou a retomar sem bom senso e esquecer(?) Frida.

Encerro lembrando-me de um poema de Emily Dickinson eu seu livro: “Loucas Noites”:

“Loucas noite — Loucas noites–!

Estivesse eu contigo
Loucas noites seriam
Nosso luxo, nosso abrigo!

Fúteis — os Ventos —
Para um Coração no porto —
Adeus Bússola —
Adeus Carta de marear —!

Remando no Éden —
Ah, o Mar!
Ah, se eu pudesse —
Esta Noite —-
Em Ti – ancorar!”

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