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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

Jovens e adultos jovens descrentes?

Quando escrevo sobre questões da subjetividade humana ou sobre sentimentos e conflitos psíquicos, tenho uma considerável crítica e resposta do leitor

Carlos de Almeida Vieira

04/06/2020 18h06

Atualizada 12/06/2020 18h07

Há algum tempo que venho observando um fato sério e curioso com relação à repercussão da minha Coluna nas redes sociais e mesmo fora delas. Quando escrevo sobre questões da subjetividade humana, ou melhor, sobre sentimentos e conflitos psíquicos, tenho uma considerável crítica e resposta do leitor. Escrever sobre ciúme, inveja, gratidão, temas relativos ao “vazio existencial”, ou seja, criar um diálogo sobre nuances da alma humana, parece que toca fundo no coração das pessoas. Outro dia, uma pessoa afirmou: “Puxa, o escrito desta semana parece que foi para mim!”.É claro que fiquei contente e feliz . Lembro-me de uma passagem em “Poesia”, um dos belos ensaios de Jorge Luis Borges, ícone da Literatura Universal, escrito em seu livro “Sete Noites” no qual ele afirma:”A poesia é o encontro do leitor com o livro, a descoberta do livro”. Eu acrescentaria que a escrita, a intuição do escritor só é arte quando o mesmo apreende fatos da experiência subjetiva do leitor, nem sempre consciente dos mesmos, e ele, leitor se vê no texto.

Acontece que quando escrevo temas de ordem política, denunciando aspectos da situação atual, corrupção; crimes das “gangues institucionais” que vociferam o dinheiro dos nossos impostos pagos com imenso sacrifício; verbas desviadas para benefício próprio dos “ homens do poder” e outras tantas perversidades governamentais e empresariais que assolam a população brasileira, exceto a classe dominante, não há ressonância nos jovens e adultos jovens que me lêem.

O que se pode depreender dessa observação? Penso que essa reação de anestesia, de total indiferença aos problemas sociais, de falta de movimentos estudantis como outrora, de descrença no “ homem político” e principalmente da perda do resgate de princípios éticos da maioria dos governantes, criam em nossos jovens uma vida egocêntrica mais do que” social-ista” É bem verdade que não estou generalizando, mas não é uma inverdade perceber a considerável alienação ideológica atual.

Onde estão os grêmios literários, os grupos de estudos sobre política, literatura, questões sociais? As escolas de primeiro e segundo grau o que andam fazendo no sentido de politização da juventude? O lema atual é: o melhor colégio é aquele que prepara para o vestibular! Esse sim, atende aos anseios da sociedade pós-moderna, sociedade centrada no consumo, no enriquecimento desvairado e na busca do prazer pelo prazer. Ninguém ensina princípios éticos, filosóficos, humanistas, nem nas Universidades. Pensar a condição humana, ler história, política, literatura, poesia, por exemplo, é uma grande perda de tempo. Para que? Mesmos os adultos e homens de ciência e política não se reúnem mais em Organismos para pensar as questões do nosso país. Que os jovens reflitam, pois eles serão os futuros administradores do nosso Brasil!

Termino minha escrita hoje com mais um trabalho de Jorges Luis Borges, esse homem controvertido politicamente, no entanto um escritor, poeta, pensador que viveu querendo decifrar os “labirintos” da vida humana, e graças a ele não conseguiu: deixou uma riqueza de inquietações sábias sobre todos nós.

“O que sonhará o indecifrável futuro? Sonhará que Alonso Quijano pode ser Dom Quixote sem deixar sua aldeia e seus livros. Sonhará que uma véspera de Ulisses pode ser mais pródiga que o poema que narra seus trabalhos. Sonhará gerações humanas que não reconhecerão o nome de Ulisses. Sonhará sonhos mais precisos que a vigília de hoje. Sonhará que poderemos fazer milagres e que não os faremos, porque será mais real imaginá-los. Sonhará mundos tão intensos que a voz de uma única de suas aves poderia matar-te. Sonhará que o esquecimento e a memória podem ser atos voluntários, não agressões ou dádivas do acaso. Sonhará que veremos com todo o corpo, como queria Milton desde a sombra desses suaves orbes, os olhos. Sonhará um mundo sem a máquina e sem essa dolente máquina, o corpo. A vida não é um sonho, mas pode chegar a ser um sonho, escreve Novalis.”

Do livro “Os Conjurados”, a prosa poética – Alguém Sonhará. Jorge Luis Borges, Obras Completas III, Editora Globo, São Paulo, 1999.

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