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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

Acolhimento

Os valores morais se perdem numa sociedade do Capital, do lucro, do roubo e da corrupção

Carlos de Almeida Vieira

04/11/2019 13h13

Atualizada 03/04/2020 16h11

Essa época sombria a cada dia se faz necessário dar atenção à capacidade de ser acolhido. Vivemos um mundo egocêntrico, narcísico por excelência, onde o ato de dar, de compartilhar, são sentidos como se esvaziasse o Eu das pessoas, subtraísse e não somasse. Somos quotidianamente engolidos pela voracidade, pelo vampirismo humano que devora tudo em seu benefício. Os valores morais se perdem numa sociedade do Capital, do lucro, do roubo e da corrupção.

Angela Cimeto Zamora, em seu belo e provocante artigo “Para que viver? Contribuições da Filosofia para a existência”, reflete: “…pessoas que prejudicam a comunidade ou que a relegam ao abandono acabam prejudicando a si mesmas, entrando elas próprias em um processo de deterioração”. É fato sim, é triste, pois essas pessoas não se dão conta que a Filosofia do Ter não preenche suas almas. São indivíduos vampirescos que movidos por estados conscientes e principalmente inconscientes de desespero, vivem a trágica mentira que a felicidade está diretamente ligada às satisfações materiais. São “bocas oceânicas”, verdadeiros dráculas onde a essência do seu ser é a falta, a ausência do sentimento de amor e da angústia de serem desamados, nunca tiveram de suas mães ou mesmo trouxeram em sua bagagem constitucional, a ausência da capacidade para amar. O consumo, a exploração alheia é uma defesa patológica na vã crença que com isso alimenta suas almas.

O ser humano nunca tanto precisou ser acolhido! Somos privados de amor, saúde, habitação, civilidade, compartilhamento e sentimento social de inclusão. Somos merecedores de sermos recebidos em braços e colos que nos diminua o desamparo existencial na vida. Merecemos ser recebidos no caótico mundo atual, recebidos com mãos calorosas, afetivas, capazes de subtrair um pouco a dor das faltas.

Já é tempo de acabar a volúpia do que Freud chamou de “oralidade sádica”, é tempo de sublimar os impulsos destrutivos para alcançar a beleza da “genitalidade”, do encontro, dois corações com compaixão recíproca e não com a rudeza do canibalismo.

Leiam esse fragmento de Charles Baudelaire (1821-1867) em poema “As Metamorfoses do Vampiro”, publicado num livro imprescindível nos atuais tempos: “Foi então que a mulher boca framboesa,/serpenteando como cobra em brasa acesa./ Que ao ferro do espartilho o seu busto cingia./ Deixou ouvir sua voz que a almíscar recendia:/”tenho a boca molhada e conheço a ciência/ De como, sobre o leito, apagar a consciência./ Enxugo todo o pranto em meus seios triunfantes/ E aos velhos faço rir com riso dos infantes./ E para quem me vê inteiramente nua,/ brilho mais do que o sol, as estrelas e a lua”.

É tempo de amar, acolher, se colocar no lugar do nosso próximo, caso contrário terminaremos nas tumbas, carcomidos pelos vampiros atuais.

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