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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

A Inquisição na Cultura do Brasil

A Cultura não interessa aos poderosos, pois ela é a ameaça às mudanças estruturais assim como a Educação

Carlos de Almeida Vieira

26/03/2020 13h00

Atualizada 03/04/2020 16h00

As labaredas inundavam os arquivos da História do Brasil; o fogo assassino deixava soterrada a memória de duzentos anos; os telespectadores incomuns choravam, lacrimejavam como que atingidos pelas chamas; não somente os brasileiros de bom senso sofriam, o mundo todo divulgava a notícia do desastre anunciado; a ironia de alguns insensatos olhou com indiferença afetiva, política e humana para o majestoso incêndio do Patrimônio Público.

Dias atrás, ouvira uma notícia estonteante: alguém me disse que um candidato a deputado estadual, em seu comício teria dito: “Se eleito for, mandarei queimar todos os livros do Paulo Freire!”. Está instituída a inquisição nesse nosso país, em pleno século XXI.

A Cultura não interessa aos poderosos, pois ela é a ameaça às mudanças estruturais assim como a Educação. Apaguem os documentos da nossa independência e liberdade; soterrem com fogo e água os documentos das nossas origens; financiem com verbas públicas, biografias de cantores comuns e até de outros que são considerados como poetas; enterrem os restos mortais da nossa identidade. Ficará para o futuro, ou melhor, já no presente, a soberba dos bens materiais supérfluos; sobrará ao povo e à população em geral, a mentalidade de que a economia e a tecnologia são a salvação da condição humana!

As pessoas que ainda choram o incêndio da Quinta da Boa Vista, choram também a metáfora desse crime: o desprezo pela História, pela Literatura, pela Ciência e pela Pesquisa em particular. O “Deus” do capitalismo selvagem e do faz de conta da democracia está vivo, e continuará mais vivo, se nas próximas eleições o conservadorismo, o populismo e a política do coronelismo se mantiver no poder.

Hannah Arendt em seu brilhante livro A vida do Espírito, Editora Civilização Brasileira, 2017, Rio de Janeiro, antes de sua morte, traz uma questão que nos alenta. Escreve a autora: “Pois quando se dissipa uma ilusão, quando se rompe súbitamente uma aparência, é sempre em proveito de uma nova aparência que retoma, por sua própria conta, a função ontológica da primeira (… ) A des-ilusão é a perda de uma evidência unicamente porque é a aquisição de outra evidência…”

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