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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

A Finitude

Redação Jornal de Brasília

01/07/2019 10h23

Atualizada 08/07/2019 10h28

A Finitude

A Finitude

É difícil pensar o tempo, é doloroso sentir o tempo. O tempo que passa, que ultrapassa, que se amontoa em dias, meses, anos a fio, tecendo a vida que sempre se angustia por conter um ponto final. A vida tem ponto final, tem fim, tempo estipulado para terminar, tempo futuro que se fraturará na despedida do além mar.

Manuel Bandeira, nosso simples e singelo, mas não menos importante poeta, um dia escreveu em seu livro Andorinha, andorinha, organizado por Carlos Drummond de Andrade: “Uma das invenções mais surpreendentes de Rosa (Guimarães Rosa) foi aquilo de falar ‘nesta outra vida de aquém-túmulo’. O que eu não dava para ter fabricado isso! Agora é tarde, está achado, e o único jeito é plagiar”.

Nascemos quando nascemos, ou nascemos antes de nascer, com a civilização e hoje com a transgeracionalidade? Nascemos quando somos paridos, ou já lá dentro da grande ilusão paradisíaca do útero já estamos vivos, atentos com nossos órgãos visuais, olfativos e acústicos? Às vezes, encontramos pessoas que já têm mais de duzentos anos, ainda que na realidade tenham quarenta. A idade psíquica é atemporal, como nos sonhos! Outro dia, uma pessoa conversando comigo disse que queria parar o tempo, ao que questionei: se você quer parar o tempo ou no tempo, que idade você prefere estar parado? Ela sorriu, parou, pensou e disse: quarenta anos! Talvez tivesse razões agradáveis e prazerosas relacionadas a essa idade.

O tempo não para, e com ele, vamos desfilando entre veredas várias, cheias de alegrias, de espanto, perplexidade e de tristezas. A morte sim, a morte estabelece a parada do trem na última estação, sem volta. Mas, também há morte na vida, e existem aqueles que param o trem mesmo quando vivos. Estacionam sua caminhada por causa de desapontamentos, decepções, carregadas de ódio que impede prosseguir. Estamos assim no espaço da depressão – a brutal negação da vida e do tempo. No deprimido só o passado lamentoso importa, pois o presente é atrapalhado pelas memórias acusatórias daquilo que se critica ter feito de errado. Mas, o deprimido também acusa que seu ser é finito e disso tem muito ódio. Ódio à realidade, ódio à realidade que todas as pessoas nascem mortais, finitas e com limitações.

Quem sabe que a maior depressão, a maior tristeza, é a consciência da relatividade do ser. O ser grandioso, onipotente, onipresente e onisciente jamais seria um depressivo, pelo menos na fantasia. Caso isso fosse alcançado, e às vezes se alcança, a pessoa entraria num universo maníaco, com brilhante delírio de grandeza. A partir de certa idade o homem não pode ser mais cartesiano, há que ser relativo pois as “falsas certezas oniscientes” se desmoronam com o passar do tempo. Viver a relatividade, os paradoxos, os pares de opostos, aquilo que para alguém obsessivo seria um absurdo, pois o mundo é lógico, racional, dois e dois são sempre quatro.

Certa ocasião, Gustave Flaubert tergiversando sobre sua própria existência escreveu: “E no tempo que eu era jovem e puro, quando acreditava em Deus, na felicidade, no futuro, na pátria; no tempo em que meu coração palpitava quando ouvia a palavra: liberdade! então – oh! Que Deus seja maldito por suas criaturas! -então Satã me apareceu e disse: Vem, vem a mim; tens ambição no coração e poesia na alma, vem, que te mostrarei meu mundo, o reino que é meu” (Cf. Souvenir). É claro que há de se viver a depressão, mas temos que tirar proveito dela, caso contrário gastamos o resto de nossas vidas em lamentações.

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