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Histórias da Bola
Histórias da Bola

Os “izpike” do interior

Nas capitais, eles eram os “speakers”, os anglicanizados” narradores do futebol. Pelo interior do país, simplesmente, os “izpike”

Gustavo Mariani

12/01/2021 11h03

O rádio esportivo brasileiro formou vários times de narradores e comentaristas marcantes. Entre alguns, brilharem, em São Paulo, os mestres Aurélio Campos e Geraldo Bretas, na Tupi-SP; Pedro Luiz e Mário Moraes, na Panamericana (atual Jovem Pan); Geraldo José de Almeida, na Record; Edson Leite e Fiori Gigliotti na Bandeirantes. No Rio de Janeiro, são inesquecíveis Jorge Cury e Antônio Cordeiro, da Rádio Nacional; Waldir Amaral e Benjamim Wright, da Globo; Vitorino Vieira e João Saldanha, da Rádio Guanabara; Doalcei Bueno de Camargo e Ruy Porto, da Tupi-RJ, que lançou o ex-árbitro Mario Vianna comentando arbitragens.

Há quatro outros nomes obrigatórios nessa história: Rebelo Junior, Nicolau Tuma (foto), Ary Barroso e Gagliano Neto. O primeiro, antes de narrar futebol, levava emoções ao automobilismo, pelas ondas da paulista Rádio…. Mas ganhou a sua vaga na história muito mais por ter lançado o grito de gol, na década de 1930. Narrava para a Rádio Difusora Paulistana e, por prolongar o anúncio da bola na rede, ficou conhecido como “O Homem do Gol Inconfundível”. Inovação para chamar a atenção dos ouvintes que estivessem distantes ou meio desligados da partida. Antes dele, o grito era curto e grosso.

Nicolau Tuma ganhou um apelido que sintetizava a rapidez do seu estilo: “Speaker Metralhadora. Pronunciava de 250 a 300 palavras minuto. Também entrou para a história por narrar a primeira partida transmitida pelo rádio brasileiro – São Paulo 6 x 4 Paraná, em 1931. Mas pronunciava somente “gol” e começava a detalhar o lance. Temia o ouvinte mudar de estação, caso se demorasse muito para voltar à narração do jogo.

Gagliano Neto foi o primeiro a transmitir uma Copa do Mundo para o Brasil. Pelo microfone da Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio de Janeiro, emocionou o país contando as diabruras de Leônidas da Silva, o primeiro brasileiro a tornar-se o principal artilheiro de um Mundial, em 1938, na França, que o apelidou por “Homem Borracha” . De sua parte, Ary Barroso lançou o que hoje conhecemos por vinhetas. Comprou uma gaita para assopra-la no momento do gol. Assim, imaginava que os ouvintes o identificariam bem, pois narrava debaixo de grande barulho da torcida, no meio da qual ficava.

PAI DA MATÉRIA – A partir da década-1980, nenhum “speaker”, conquistou a fama nacional de Osmar Santos. Bordões como “ripa na chulipa e pimba na gorduchinha” tornaram-se até mais imitados pelo torcedor do que “O relógio marca…”, de Waldir Amaral; “Bota no meio…” de Orlando Baptista (para o juiz dar nova saída de bola, após um gol) e “Vai mais, vai mais, garotinho”, de José Carlos Araújo, por emissoras cariocas.

Osmar Santos, no entanto, contou com uma grande ajuda para tornar-se uma lenda do rádio brasileiro: a partir de 12 de janeiro de 1984, animou os comícios das “Diretas, já!”, quando o povo brasileiro não suportava mais ter o seu presidente da república escolhido por um colégio eleitoral imposto por uma ditadura que rolava há duas décadas.

Osmar tinha 34 anos de idade e, há 10, já era, talvez, o mais famoso da “latinha” paulista. Nos palanques, ao lado de destaques da oposição – Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Doutel de Andrade, Leonel Brizola, entre outros – e de artistas – casos de Fernanda Montenegro, Maitê Proença, Cristiane Torloni, Milton Gonçalves, Chico Buarque, Fafá de Belém e Milton Nascimento, por exemplo – ele levou para a plateia a emoção das transmissões esportivas, sugerindo o “capricha, garoto” da bola quando anunciava o recado de quem falaria ao povo. Despertou até a inveja do partido governista, o PDS. Se o presidente João Figueiredo era vaiado em comício pedessistas no Rio de Janeiro, Osmar levava o eleitor ao delírio, em Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, as primeira praças animadas. Motivo para o governador Brizola convida-lo a repetir tudo para os cariocas.

Com a fama nacional transbordando, Osmar Santos foi convidado a animar, também, “Carnaval das Diretas”, em Salvador, onde era, antes, um desconhecido. Se atingia 70% de audiência nas emissoras globais paulistanas – Globo e Excelsior –, agora, diante do sucesso, nacionalmente, era o autêntico “pai da matéria”, de um golaço.

Um ano antes da campanha do voto direto para presidente da república, Osmar Santos já era puxado pela TV Globo para aparecer no paulistano “Globo Esporte”, nos inícios das tardes, e para narrar videoteipes e compactos de jogos das rodadas mostrados em finais das noites dominicais. Ganhou espaço, também, como comentarista esportivo do “Jornal da Globo”. Mais? Espaço para comandar, também, problemas de auditório gravado para ser exibido em horário no qual ele estaria narrando pelo rádio. Mais, mais? Virou até opção para encarar Sílvio Santos, o “rei das tardes dos domingos na TV”.

Nascido de família modesta de lavradores de Osvaldo Cruz-SP, Osmar iniciou-se na “latinha” aos 14 anos de idade, pela Rádio Clube de sua cidade. Ganhou mais experiência em Marília e foi para a capital, em 1972. E emplacou, renovando a locução esportiva paulista – e chegando a chefe de esportes da Rádio Jovem Pan.

Quem estava acostumado ao estilo dos velhos narradores, passou a ouvir Osmar Santos bordejar, com se falasse diretamente aos atletas dentro do gramado: “Sai daí que o jacaré te abraça (para o cara em impedimento); “Chegou a hora de ver quem tem garrafa vazia pra vender (hora da decisão); “no caroço do abacate (no meio do campo); “no salão de festas” (na pequena área”; “é fogo no boné do guarda” (instantes de tensão em campo; “leva um papo com ela, que ela deita e rola gostosinho” (para mostrar intimidade com a bola”; “tá ligeiro que nem quiabo na panela”; “tá mais quebrado do que arroz de terceira”, muitas dessas frases de ouvir o povo falar e outras de criações de amigos.

Osmar Santos, na verdade, não era estreante em campanhas politicas, em 1984. Em 1978, ano em que virou global, e em 1982, já levara uma força para os candidatos (ao Senado) Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy. Quem teve a ideia de convida-lo para unir-se às “Diretas, já!” foi o senador Álvaro Dias-PMDB/PR, que gostara da sua transmissão da Corrida de São Silvestre, torcendo para o mineiro João da Matta e que a sua vitória que anunciasse uma temporada de esperanças para um “povo sofrido”. Osmar topou, emplacou e tornou-se um grande “mitingueiro. Como eram chamados, antigamente, os puxadores de comício.

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