Animal ! Do latim animale. Substantivo masculino, representativo de um ser organizado, dotado de sensibilidade e movimento, ao contrário das plantas.
É assim que os dicionários identificam o significado da palavra animal . Mas ele ganhou outras conotações, como nos casos das referências às pessoas estúpidas, quando se quer atribuir a alguém um comportamento não condizente com o de um ser humano.
No futebol brasileiro, o atacante Edmundo, do Palmeiras, é quem, atualmente, melhor encarna o espírito dessa mutação semântica. Muito mais animal do que ele, a torcida elegeu, no passado, o insuperável Almir, O Pernambuquinho (ver matéria) e o baiano Beijoca, ex-jogador do Bahia, Vitória, Flamengo, Sport Recife, Fortaleza, Gama, Guará, Paranavaí (e etc) como grandes vilões do gramado.
Craque, indiscutivelmente, Edmundo surgiu no Vasco da Gama, encantando a torcida de todos os clubes cariocas, mas sempre com lampejos de talento com desprezíveis momentos de violência injustificável que lhe valeram expulsões, brigas e suspensões.
Na verdade, Edmundo apareceu para o futebol nas divisões inferiores do Botafogo. Os técnicos admiravam a sua habilidade e armavam esquemas nos quais ele era o número um. Lá dentro, o menino Edmundo resolvia. Fazia gols incríveis e começava a ser comentado pelos bares frequentados pelos por torcedores profissionais.
– Tem um moleque aí, nos juniores do Botafogo, que é o diabo!
– Quem é?
– O nome dele é Edmundo. Guarde bem a graça da fera – eram papos.
José Jorge e José Dias, jornalistas esportivos do Rio de Janeiro, ouviram o diálogo acima, em um bar de subúrbio, e ficaram atentos. Curiosos, um dia, foram assistir a uma partida do garoto. Tiveram o papo de boteco confirmado. No entanto, dias depois, José Dias encontrava uma nota na sua agência de notícias, a Sport Presss, do repórter que cobria o Botafogo. Dizia: “O Alvinegro vai dispensar um dos seus juniores mais promissores, Edmundo. A justificativa é a de que o garoto não se enquadra às normas disciplinares do clube”.
A notícia, de três linhas, levou José dias a se interessar pelo fato. Ele descobriu que Edmundo havia sido expulso da concentração do Botafogo, em 1978, porque fazia gracinhas, como tirar as roupas e desfilar nu.
Mão na cara
Do Botafogo, o júnior Edmundo foi parar no Vasco da Gama. Quando subiu para o time principal, em um jogo contra o Volta Redonda, ele vinha sendo completamente dominado pelo zagueiro Paraju, que já tinha recebido um cartão amarelo. Malandro, Edmundo passou a cavar a expulsão do adversário.
Faltavam menos de 10 minutos para o jogo terminar e o placar insistia um irritante 0 x 0. Aos 37 minutos, Edmundo foi, novamente, barrado por Paraju, um zagueiro que disputava os lances virilmente, e simulou, dramaticamente, que havia sido jogado para o alto, pelo marcador. Paraju foi expulso e, em dois minutos, o Vasco fez dois gols.
Bem pior fora no jogo do dia 13 de abril de 1993, na Fonte Nova, em Salvador, entre Vitória e Palmeiras, pela Copa do Brasil. O Verdão perdia, por 2 x 1, e o irritado Edmundo, ao ser expulso de campo passou uma de suas mãos, de forma agressiva, pelo rosto do árbitro, o que lhe valeu uma suspensão, por 90 dias.
Pouco depois de voltar a jogar, Edmundo agrediu o volante César Sampaio, seu colega de time e cabeça-de-área palmeirense, por culpá-lo pela derrota de sua equipe, frente ao Santos, por 1 x 0. O fato gerou um ambiente muito ruim entre os jogadores, mas e Edmundo terminou sendo perdoado.
Repeteco
Dez dias depois de agredir César Sampaio, Edmundo voltava a demonstrar agressividade com os companheiros. Ele chegou ao vestiário, após um jogo, irritadíssimo com o zagueiro Antônio Carlos, a quem agrediu, verbalmente, de forma violentíssima. Revoltado, o colega reagiu e os dois trocaram murros.
Acostumado com as notícias “policiais” envolvendo Edmundo, a torcida palmeirense passou a gritar um refrão, quando ele fazia uma grande jogada ou marcava um gol: “Au, au, au, Edmundo é um Animal”.
O grito de guerrra pegou e foi o ‘tema de Edmundo” durante a campanha do bicampeonato nacional (do Paulistão, também) do Palmeiras.
Ano Novo
em 1988 (?), Edmundo aprontou mais duas confusões: agrediu, com um pontapé, o zagueiro Norberto, em um jogo que o Palmeiras perdeu para a Portuguesa de Desportos, pelo Campeonato Paulista, chutou uma câmera de TV e agrediu um cinegrafista, no Equador.
BAD BOYS
O Brasil ainda vivia a euforia do tricampeonato mundial de futebol, conquistado no México. Um ano depois, o instinto animalesco de um herói do tri, o zagueiro Hércules Brito Ruas, decepcionava o país. Sentindo-se prejudicado pela marcação de uma falta, pelo árbitro José Aldo Pereira, o Britão desferiu um potente soco contra o estômago do magro juiz, que envergou-se de dores perante todo o estádio do Maracanã.
Tempos depois, Brito admitiu seu erro, que, à época, provocou a antipatia de toda a torcida nacional. Resultado: ele levou um ano de suspensão, a sua carreira entrou em declínio e, na volta aos gramados, foi parar no futebol paranaense, de onde sucumbiu para o exterior. Quando bateu em José Aldo, Brito jogava pelo Botafogo.
Júnior Baiano
Do alto dos seus quase dois metros de altura,
o zagueiro Raimundo Ramos Ferreira Filho, chegou a sre considerado pela imprensa carioca como “muito mais para animal irracional do que para homo sapiens dentro de campo”. Ele distribuía murros e pontapés indiscriminadamente como zagueiro do Flamengo, chegando ao ponto de ser afastado do elenco, por causa do seu instinto selvagem.
A televisão mostrou, várias vezes, Júnior Baiano batendo como um “boxeur” peso pesado. Seu lance fatal foi aquele que ele deu vários socos no zagueiro são-paulino Gilmar, justamente o que lhe valeu o afastamento do elenco rubro-negro.
Chicão
Convocado, pelo treinador Cláudio Coutinho, para o lugar que deveria ser de Falcão, na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, o inexpressivo (apenas esforçado) apoiador do São Paulo protagonizou uma das mais lamentáveis cenas de selvageria em um campo de futebol.
Na decisão do Campeonato Brasileiro de 1977, o armador Ângelo, do Atlético-MG, estava caído, contorcendo-se em dores. De repente, chega Chicão para dar-lhe um pontapé. O caso foi parar numa delegacia de polícia, mas não deu em nada e, por ironia do destino, tempos depois, Chicão foi contratado pelo mesmo Atlético-MG
Cocada
Final do Campeonato Carioca de 1988. O Vasco empatava, por 0 x 0, com o Flamengo, resultado que lhe garantia o título. Quase ao final do jogo, o lateral-direito Cocada, dispensado do Fla, pelo técnico Carlinhos (que estava no comando técnico rubro-negro, naquela noite), entrava em campo para reforçar a defesa vascaína e garantir o placar.
Quis o destino, no entanto, que Cocada marcasse um golaço, com um chute violentíssimo, disparado da intermediária. Em vez de comemorar o gol junto com os seus companheiros, Cocada tirou a camisa, correu para o banco dos reservas do Flamengo e a jogou na cara de Carlinhos. O Maracanã viveu uma noite de pancadaria, uma das maiores que o estádio sediou. Na mesma sessão, o rubro-negro Renato Gaúcho agrediu o baixinho vascaíno Romário.
Mário Sérgio
Quando jovem, no Vitória, aprontou muitas confusões, como sair nu dentro de um carro, pelas ruas de Salvador. No São Paulo, puxou um revólver e colocou torcedores do São José pra correr.
em 1984, depois de muitas confusões, e quando era palmeirense, foi suspenso, por três meses, acusado de ingerir estimulante antes de um jogo, no qual o Palmeiras venceu o São Paulo, por 2 x 1. Depois de encerrar careira de atleta, tornou-se uma pessoa completamente diferente do agitado jovem craque que encantou o futebol brasileiro.
Beijoca
Sinônimo do animalesco dos gramados, Beijoca participou de todas as indisciplinas possíveis e imagináveis enquanto jogou o futebol. Mas sempre jurou que jamais começou nenhuma briga, o que não é verdade. No final da década-70, por exemplo, ele foi contratado pelo Flamengo para reviver a mística do brigão Almir Pernambuquinho, e promoveu uma das mais lamentáveis cenas de pancadaria no gramado do Maracanã.
Jogavam Flamengo e Palmeiras, pelo Campeonato Brasileiro, o time paulista goleava, por 6 x 0, e prometia mais humilhações ainda ao time rubro-negro. Minutos depois de entrar em campo, Beijoca bateu em meio-time palmeirense, encerrando por ali as humilhações na bola. Como a pancadaria repercutiu mal por todo o país, para justificar a goleada sofrida, o Flamengo devolveu Beijoca ao Bahia.
Almir, bandido de provocações e quebradeiras
O brasileiro não é bm de memória, costuma-se dizer. Mas, para quem viveu as décadas-60 e 70, a figura exponencial da saga animalesca nos gramados foi Almir Albuquerque, que saiu, garoto, do Sport Recife, para se consagrar no Vasco da Gama e, depois, ser contratado, pelo Corinthians, como o “Pelé Branco”.
Almir entrou par o time dos bandidos ao quebrar a perna de um zagueiro do América, Hélio. Mas o seu grande momento foi conduzir o Santos o título de bicampeão mundial interclubes, em 1963, no Maracanã, diante do Milan. Ameaçou o ex-botafoguense Amarildo e instigou todo o time italiano. De um placar adverso, 0 x 2, o Santos virou, para 4 x 2, comandado pelo Pernambuquinho.
Naquele segundo jogo ? o Santos havia perdido o primeiro, na Itália, pelos mesmos 4 x 2 ?, Almir comandou a vitória santista, no seu velho estilo estilo, com brigas e pancadarias. Pelé estava contundido e não jogou, naquela noite em que Almir foi o rei.
Quando entrava em campo, Almir ia logo pra cima do destaque do time adversário, e prometia quebrar-lhe, na pancada. Em seu livro, “Eu e o Futebol”, conta que Gérson e Ademir da Guia corriam dele sempre que eram ameaçados.
Almir era mestre em provocar expulsões de adversários. Na Argentina, quando defendia o Boca Juniors, tornou-se ídolo da torcida do clube, ao ser expulso e levar junto com ele dois inocentes adversários, episódio que proporcionou a vitória ao time de La Bombonera.
O Rei Pelé foi fiel ao manual da catimba
Edson Arantes do Nascimento, o “Rei Pelé”, indiscutivelmente, o melhor atleta do futebol de todos os tempos, foi coroado porque ninguém fazia com a bola o que ele fazia. Marcou 1.281 gols na carreira, conquistou todos os títulos que disputou, e encerrou a carreira sendo ídolo de todas as raças e nações.
Pelé ? ministro do Esporte, no segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso ?, no entanto, jamais foi um santo dentro de campo. Mas tinha um detalhe: era inteligente e sabia a hora certa de bater, de revidar. A cena que melhor ilustrou isso foi uma sua disputa de bola com o alemão Schulz,na década-60, no Maracanã, quando o adversário saiu de campo com uma perna fraturada.
Outro polêmico lance protagonizado pro Pelé foi contra o zagueiro Procópio, do Cruzeiro, no início da década-70, no Mineirão. O marcador passou um longo tem po parado, devido uma fratura no choque com o camisa 10 santista.
Marcou muito, também, as artimanhas de Pelé um “cotovelaço” no uruguaio Matosas, durante a Copa do Mundo de 1970, no México. Longe das vistas do árbitro e correndo lado a lado com o marcador, o “Rei” desferiu-lhe tamanha bordoada no rosto, sem que nada fosse marcado contra a Seleção Brasileira.
Pelé iludia os árbitros, entrelaçando seus braços nos dos zagueiros, para caracterizar o pênalti, provocar o adversário, cavar expulsões. Fez de tudo o que a cartilha da tradicional catimba sul-americana ensinou. O “Rei” também teve o seu lado “animal”.