Menu
Game Life
Game Life

Projeto Meninas.comp: há 15 anos incluindo mulheres na computação

Projeto da UnB transforma a realidade de meninas em escolas públicas com jogos, oficinas e protagonismo feminino na tecnologia

Karol Scott Lucena

21/07/2025 14h48

head (1)

Foto: Hanani, Professora Maristela e Bianca

Quando a professora Maristela Holanda começou a lecionar no curso de Ciência da Computação da UnB, deparou-se com um cenário incômodo: a sala de aula era predominantemente masculina. Apenas 10% dos alunos eram mulheres. Inquieta com essa realidade, compartilhou suas percepções com as colegas Maria Emília e Aletéia Araújo. Foi então que, em 2010, Maria Emília decidiu criar o projeto Meninas.comp. A proposta era simples e poderosa: mostrar que a tecnologia também é lugar de mulher.

De lá para cá, o projeto cresceu e se multiplicou. São 15 anos promovendo oficinas de robótica em escolas públicas, incentivando a criação de jogos com protagonistas femininas, participando de eventos internacionais, produzindo pesquisas e tornando a computação mais acessível e interessante por meio da divulgação científica.

innovasummitmeninascomp
Foto: Aleteia, Bianca, Hanani e Thamires

Um dos principais focos do Meninas.comp é valorizar a representatividade feminina na tecnologia. Isso se reflete nos jogos criados dentro do projeto, como Mundo do Bit Byte e Code.ino, que colocam mulheres no centro da narrativa e revelam sua presença histórica nos avanços da ciência — muitas vezes apagada dos livros.

Tudo começou com a ideia de Thamires de Pontes, que criou um grupo para desenvolver Mundo do Bit Byte, um jogo de plataforma 2D dividido em cinco fases, cada uma inspirada em uma mulher real da história da ciência e tecnologia. A protagonista é Tati, uma menina curiosa que viaja no tempo para resgatar o conhecimento da humanidade após uma misteriosa invasão.

A proposta ganhou ainda mais força com a chegada de duas estudantes, Bianca Patrocínio e Hanani Emanuelle. Ainda nos primeiros semestres da graduação, elas transformaram o desafio de ensinar conceitos complexos, como o uso da placa Arduino, em uma experiência criativa e inclusiva. Surgia ali o embrião de Code.ino.

Bianca conta que se inspiraram em figuras como Susan Kare, designer da Apple, e Hedy Lamarr, que contribuiu para o desenvolvimento do Wi-Fi e também brilhou no cinema. Já Hanani destaca o desejo de combater o apagamento histórico das mulheres e mostrar, por meio de narrativas envolventes, o quanto elas sempre fizeram parte da tecnologia.

O impacto foi imediato. O jogo foi lançado na Play Store, depois na Apple Store, e apresentado em eventos como o Women in Information Technology (WIT), durante o Congresso da Sociedade Brasileira de Computação, e no Innova Summit 2023. Mais do que reconhecimento, Code.ino inspirou outras meninas a criarem seus próprios jogos, motivando ainda mais suas criadoras.

innovasummit2023
Foto: Aleteia, Bianca, Hanani e Thamires

Empolgadas com os resultados, Bianca e Hanani decidiram ir além. Partiram para o desenvolvimento de um jogo mais ambicioso, com maior complexidade lógica e interativa. Code.ino exigiu delas um salto técnico: vindo da área de design e arte, precisaram dominar códigos, sistemas de puzzles e programação avançada.

A protagonista do novo jogo é Ame — nome formado pelas iniciais das professoras Aletéia, Maristela e Maria Emília. Ame é uma estudante que explora a escola aprendendo sobre tecnologia. Na primeira fase, conceitos de Arduino são apresentados de forma leve e interativa. Depois, os jogadores mergulham em lógica de programação, desenvolvimento de software e desafios com quizzes e conquistas — tudo pensado para estimular o aprendizado real, longe da decoreba.

Bianca explica que a intenção era ensinar interagindo. Hanani lembra o quanto foi desafiador criar dez fases — mesmo que, até agora, apenas duas tenham sido lançadas. Cada etapa tem um propósito claro: ensinar, desafiar, instigar.

As estudantes testaram Code.ino com turmas reais em escolas públicas. Competir com o Roblox no recreio não foi fácil, mas a recepção foi positiva — o que deu ainda mais certeza de que estavam no caminho certo.

O Meninas.comp atua prioritariamente em escolas públicas de regiões com maior vulnerabilidade social, como Santa Maria, Candangolândia e cidades do Entorno. Para a professora Maristela, isso é essencial: são essas escolas que mais precisam de incentivo. Além disso, com a Lei de Cotas, metade dos alunos da UnB passou a vir de escolas públicas, tornando o ambiente acadêmico mais plural e alinhado com a realidade brasileira.

Outro passo importante foi a criação de uma nova frente do projeto, voltada à introdução da inteligência artificial nas escolas. A proposta é seguir inovando e levando a computação para dentro da sala de aula de forma acessível, divertida e empoderadora.

O lançamento de Code.ino também foi uma aventura. Após várias negativas da Google Play, bugs inexistentes e até o risco de perder a conta da desenvolvedora, elas criaram um novo perfil e reenviaram o mesmo arquivo. Dessa vez, foi aprovado de primeira — a apenas duas semanas do congresso onde o jogo seria apresentado por QR Code.

No ano passado, Code.ino foi destaque no WIT 2024, e o trabalho segue firme: novas fases estão em desenvolvimento, junto com a produção de artigos acadêmicos. A próxima etapa já começou: uma nova frente de jogos digitais será criada dentro do Meninas.comp, com liderança de Bianca e Hanani.

Hoje, tanto Code.ino quanto Mundo do Bit Byte estão disponíveis na Play Store. Mas mais do que jogos, eles simbolizam o esforço coletivo de mulheres que, com seus cliques e códigos, constroem uma tecnologia mais justa, representativa e acessível. Mulheres que aprenderam, ensinaram, se apoiaram e mostraram que lugar de mulher é onde ela quiser — inclusive na programação, no design, na arte e na liderança dos games.

Hanani resume: “Foi difícil, mas valeu. E saber que um jogo pode ensinar algo e inspirar alguém já faz tudo valer a pena.”

Bianca completa: “Nosso objetivo sempre foi esse: mostrar que as mulheres podem estar onde quiserem. Inclusive criando games.”

Por aqui, o coração aqueceu.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado