O 2º Fórum Brasileiro dos Treinadores de Futebol, realizado nesta terça-feira (4), na sede da CBF, terminou marcado por um constrangimento raro em ambientes institucionais de alto nível. A presença do técnico da Seleção Brasileira, Carlo Ancelotti, deveria ter sido o ápice do encontro, mas acabou se transformando no episódio mais incômodo do evento.
Chamados ao palco, os ex-técnicos Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira aproveitaram o microfone não para discutir ideias, evoluções táticas, modelos de gestão ou desafios do futebol brasileiro moderno. Eles foram diretos para um ataque: disseram, cara a cara com Ancelotti, que são contra técnicos estrangeiros trabalharem no Brasil.
Foi um ataque pessoal. Um ataque público. Um ataque diante de um estrangeiro convidado oficialmente, em ambiente institucional, no auditório da Confederação Brasileira de Futebol.
Ancelotti, que já entende português – e já arrisca frases completas – ficou visivelmente perplexo. De olhos arregalados, não esboçou reação agressiva, mas testemunhou, de pé, uma cena que não combina com a liturgia de uma entidade do tamanho da CBF. E que não combina com nenhuma liga organizada do mundo.
Do Marrocos ao Kuwait. Da FIFA à Conmebol. Não existe precedente de um convidado oficial ser constrangido desse modo, ao vivo, no palco, diante do público, utilizando a sua nacionalidade como fator de desqualificação.
O nome disso é xenofobia: preconceito dirigido à pessoa por sua origem estrangeira.
No Brasil, esse tipo de conduta pode ser crime. A Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) não usa a palavra xenofobia de forma literal, mas enquadra como discriminação – logo, como crime – qualquer conduta que negue direitos, incite hostilidade ou ataque alguém com base na procedência nacional.
E é exatamente o que ocorreria se esse discurso se expandisse ou fosse adotado como política pública: impedir ou hostilizar profissionais por serem de fora.
Além do caráter legal, há a contradição histórica.
Por que técnicos estrangeiros não poderiam trabalhar no Brasil se treinadores brasileiros passaram décadas brilhando em países da Europa, Ásia, América do Sul e Oriente Médio?
O Brasil sempre exportou treinadores ao mundo. E foi respeitado por isso.
Exemplos não faltam.
Treinadores brasileiros que construíram carreiras vitoriosas em outros países
1. Luiz Felipe Scolari (Felipão)
País/Região de Sucesso: Portugal
Destaque: Felipão se tornou um fenômeno de aceitação em Portugal. Assumiu a seleção portuguesa em 2003, levou o time ao vice-campeonato da Euro 2004, à semifinal da Copa do Mundo de 2006 e à Euro 2008. Ele virou personagem popular no país e se tornou uma espécie de símbolo nacional.
2. Didi (Waldir Pereira)
Países/Regiões de Sucesso: Peru, Turquia, Arábia Saudita
Destaque: Classificou o Peru para a Copa do Mundo de 1970, seu melhor desempenho até então, e foi campeão peruano pelo Sporting Cristal.
3. Otto Glória
Países/Regiões de Sucesso: Portugal, Nigéria
Destaque: Levou Portugal ao 3º lugar na Copa de 1966 e foi campeão da Copa Africana de Nações em 1980 com a seleção da Nigéria.
4. Carlos Alberto Parreira
Países/Regiões de Sucesso: Turquia, Kuwait, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos
Destaque: Campeão da Copa da Ásia com o Kuwait em 1980 e campeão turco com o Fenerbahçe em 1995-1996.
5. Paulo Autuori
Países/Regiões de Sucesso: Peru, Colômbia, Qatar, Bulgária
Destaque: Campeão nacional com o Alianza Lima (Peru), campeão da Copa do Qatar com o Al-Rayyan e campeão colombiano com o Atlético Nacional.
6. Zico (Arthur Antunes Coimbra)
Países/Regiões de Sucesso: Japão, Turquia, Uzbequistão
Destaque: Venceu a Copa da Ásia em 2004 com o Japão e ganhou o campeonato turco com o Fenerbahçe.
7. Tuca Ferretti (Ricardo Ferretti)
País/Região de Sucesso: México
Destaque: Um dos técnicos mais vitoriosos da Liga MX, multicampeão pelo Tigres, onde se tornou ídolo histórico.
8. Ricardo Gomes
País/Região de Sucesso: França
Destaque: Campeão da Copa da Liga Francesa com o Bordeaux e técnico do Paris Saint-Germain.
A lista é longa.
E justamente porque o Brasil foi respeitado pelo mundo — e continua sendo — causa ainda mais perplexidade que o mundo seja desrespeitado aqui.
Falta de tato institucional, falta de fair-play e falta de educação básica se juntaram para produzir uma cena que a CBF não merecia.
E que Ancelotti não precisava passar.