A maioria de nós passa boa parte da vida preocupada com dinheiro. Desde cedo, aprendemos a guardar, investir, evitar dívidas e planejar o futuro financeiro. E, de fato, isso é importante. Mas quase ninguém nos ensina que há outro tipo de capital ainda mais essencial: o capital de saúde.
O conceito foi formulado na década de 1970 pelo economista Michael Grossman, que propôs uma nova forma de olhar para a saúde: como uma poupança que nasce conosco e vai se desgastando com o tempo. A boa notícia é que, assim como uma conta bancária, esse “estoque de saúde” pode ser nutrido com bons hábitos e decisões ao longo da vida.
Grossman explicava que escolhas saudáveis — como dormir bem, praticar exercícios, manter uma alimentação equilibrada e fazer acompanhamento médico — são investimentos nesse capital. Cada escolha positiva rende mais autonomia, disposição e bem-estar. E quanto mais envelhecemos, mais importante é esse cuidado, pois o desgaste natural do corpo exige atenção constante.
Pense no corpo como uma casa. Se você tem um imóvel e nunca pinta as paredes, revisa a fiação ou cuida do telhado, corre o risco de enfrentar infiltrações, curtos-circuitos, invasões de pragas e desvalorização. Assim também acontece com o corpo. Abandoná-lo é negligenciar a única morada que temos.
O capital de saúde não começa a ser construído apenas na fase adulta. Ele nasce antes mesmo do nascimento. A ciência já mostrou que o estado físico e emocional da mãe durante a gestação influencia diretamente a saúde do bebê. Uma gravidez marcada por estresse, desnutrição ou negligência pode impactar toda a vida da criança. Ou seja, nossa saúde é moldada desde a fecundação, combinando herança genética e ambiente.
Na infância e juventude, o lugar onde vivemos — o ar que respiramos, a alimentação, o afeto recebido, o acesso à educação, a segurança — também interfere diretamente no nosso estoque de saúde. Ainda assim, quem teve um começo difícil pode reverter parte dos danos com escolhas mais conscientes ao longo do tempo.
O problema é que muita gente só começa a pensar nisso quando o corpo dá sinais: cansaço constante, memória falha, dores nas articulações, sono leve. Por volta dos 45 ou 50 anos, vem a pergunta: “Estou envelhecendo?” E a resposta é sim. Todos estamos. Mas isso não precisa ser um problema — pode ser uma oportunidade.
Há inúmeros exemplos de pessoas que começaram a malhar e se alimentar melhor aos 50, 60 ou até 70 anos — e conseguiram reverter quadros clínicos e reduzir a dependência de medicamentos. Mas atenção: nenhuma mudança deve ser feita sem orientação profissional. Automedicação ou abandono de tratamentos pode colocar tudo a perder. Exercícios físicos, alimentação e até mudanças no ritmo de vida precisam ser adaptados à sua realidade e capacidade atual.
Envelhecer pode ser o melhor momento para investir em si mesmo — com mais maturidade, clareza e propósito. E cuidar da saúde não é só ir ao médico, à academia ou montar pratos coloridos. É cuidar do corpo, sim, mas também da mente, das emoções, das relações e da forma como nos conectamos com o mundo.
A vida, todos sabemos, pode ser difícil. Às vezes, tira mais do que dá: perdemos pessoas queridas, empregos, casas, planos. Tudo isso impacta a saúde física e emocional. Mas existe uma força que nos sustenta: a resiliência — a capacidade de se adaptar, de transformar perdas em aprendizado e recomeços.
Conheço muitas histórias inspiradoras: mulheres que empreenderam após os 60, homens que aprenderam a cozinhar depois de perder a esposa, aposentados que voltaram a estudar, pessoas que encontraram novos amores depois dos 70. Histórias que provam que o capital de saúde também se alimenta de afeto, criatividade e desejo de continuar.
E, nesse ponto, a espiritualidade tem um papel fundamental. Cuidar do espírito — por meio da fé, da meditação, da conexão com a natureza ou da gratidão — é uma forma poderosa de manter a vontade de viver. Pessoas espiritualizadas tendem a lidar melhor com a solidão, o adoecimento e o envelhecimento. Não se trata necessariamente de religiosidade. A espiritualidade pode existir fora de instituições religiosas, como uma conexão íntima com o invisível percebido por outros sentidos.
A vontade de viver é essencial. Porque uma vida longa só vale a pena se vier acompanhada de desejo, paixão, propósito. Desejo de cuidar, de se relacionar, de aprender, de experimentar o novo.
Por isso, é importante falar também sobre a nova velhice. Muitos não vão se casar ou terão casamentos curtos; outros não terão filhos — ou terão filhos que vivem longe e não estarão presentes no envelhecimento. A ideia tradicional de envelhecer em família já não se aplica a todos. Por isso, é necessário construir novas redes de apoio.
Vizinhanças solidárias, amizades verdadeiras, projetos comunitários, espaços de convivência, redes digitais de afeto — tudo isso pode compor uma rede de cuidado. Ter rede de apoio não é ter filhos: é ter com quem contar, quem te veja e te escute. Construir essa rede é um ato de amor próprio e de inteligência social. Também é um investimento no seu capital de saúde.
A saúde não é apenas ausência de doença. É presença de sentido. É autonomia, escolha, energia. É o corpo que se move, a mente que aprende, o coração que ama. E tudo isso pode — e deve — ser cultivado, mesmo quando a vida já passou da metade.
Se você chegou à meia-idade sem ter pensado nisso, não se culpe. Quase ninguém nos ensina a planejar o próprio envelhecimento. Mas agora que você sabe, comece com o que está ao seu alcance.
10 sugestões para fortalecer seu capital de saúde a partir de agora:
- Mova-se com regularidade – uma caminhada de 20 minutos por dia já faz diferença.
- Durma bem – crie um ritual para dormir e cuide do descanso como se cuida de uma planta.
- Alimente-se de forma natural – prefira alimentos frescos e evite ultraprocessados.
- Procure profissionais de saúde de confiança – exames e prevenção fazem diferença.
- Cuide da saúde emocional – fale sobre o que sente, busque ajuda, desenvolva autoconhecimento.
- Fortaleça laços afetivos – amizades sinceras são vitamina para a alma.
- Aprenda algo novo – o cérebro agradece a cada novo estímulo.
- Crie novas rotinas – mesmo após perdas, é possível ressignificar a vida.
- Cultive a espiritualidade – conecte-se com algo maior, reze, medite, contemple a natureza.
- Acredite na sua capacidade de se transformar – recomeçar é possível em qualquer idade.
O capital de saúde não depende apenas do passado. Ele é construído todos os dias, com constância. Não precisa ser perfeito — só precisa ser real. A vida não exige que sejamos eternos, mas que sejamos inteiros enquanto ela durar.
Envelhecer com inteireza é, sim, uma arte. Uma arte que começa dentro de nós e se expressa nas escolhas, nos gestos, nas relações e no desejo profundo de continuar — não apenas existindo, mas vivendo de verdade.