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Envelhecer é uma arte
Envelhecer é uma arte

Viver 120 anos: aceitando quem você se tornou e o que conquistou

Uma reflexão sobre como transformar memórias, perdas e conquistas em combustível para viver mais e melhor, encontrando paz com a própria história e orgulho de quem você se tornou

Juliana Gai

12/08/2025 14h04

medium shot woman with sunglasses hat

Foto: Freepik

Envelhecer é muito mais do que acumular aniversários. É um diálogo silencioso com nós mesmos, um exercício constante de revisitar memórias, folhear o álbum da própria vida e fazer as pazes com o que foi, com o que não foi — e com o que nunca será. É reconhecer que o tempo moldou não apenas o corpo e o rosto, mas também a forma como sentimos, pensamos e interpretamos o mundo.

Já não somos aquela pessoa de 20 anos que acreditava que tudo era possível. Aprendemos que a vida não se dobra à nossa vontade. Há coisas que simplesmente acontecem, sem que possamos escolher, e outras que, por mais que desejemos, jamais se concretizarão. Muitas vezes, as “únicas saídas” que encontramos são apenas escolhas disfarçadas.

Fomos ensinados a perseguir sonhos, mas raramente preparados para lidar com aqueles que escapam — e eles escapam, sempre. Às vezes, por decisões nossas; outras, por circunstâncias que fogem do controle; e, não raro, por puro acaso. E sim, o acaso existe. Não dá para carregar eternamente a culpa por tudo o que nos acontece, porque muitas decisões são moldadas pelo contexto de cada momento.

Com a velhice, é comum encarar a “contabilidade das ausências”: o casamento que terminou, a profissão que não decolou, a viagem que nunca aconteceu. No silêncio dos dias, essas lacunas podem pesar mais do que deveriam, ocupando o espaço que deveria ser das lembranças boas.

Preocupa-me a influência de certos “coaches” nas redes sociais, que pregam que nossa vida está totalmente em nossas mãos, como se tudo dependesse apenas das nossas escolhas. É um pensamento simplista e injusto. Recomendo que frustrações sejam trabalhadas com psicólogos, profissionais preparados para compreender as nuances da vida. O coach pode ser útil — mas depois que a pessoa estiver em paz consigo mesma, para então incentivar novos sonhos sem impor mais cobranças. Porque não há idade para realizá-los, mas, se eles não acontecerem, a culpa nem sempre será nossa.

É fácil transformar a própria história em um inventário de perdas. Mas a vida também é feita do que houve, do que existiu. É como no filme Cinema Paradiso — meu preferido —, quando o protagonista descobre a beleza de sua trajetória ao assistir a colagens de cenas que pareciam perdidas. Mesmo em histórias cheias de cortes, há trechos preciosos.

Para viver 120 anos com satisfação, é preciso fazer uma “edição consciente” da própria narrativa. As vitórias não se resumem a medalhas: estão nas crianças que criamos, nas amizades que cultivamos, nas decisões acertadas em momentos difíceis, nas pequenas alegrias que sustentaram nossa jornada.

Aprendo muito sobre isso observando a vida longa dos meus clientes. Como Dona Clarice, 88 anos, orgulhosa de ter aprendido a usar o WhatsApp para falar com os netos — não pela tecnologia, mas pela gratidão de ter netos que a incentivavam a aprender, “mesmo sendo muito velha”. Ou Seu Antônio, que aprendeu a cozinhar aos 75 e virou referência pelo feijão dos almoços de domingo. Ou ainda Dona Marina, que voltou a pintar aos 82, depois de cuidar da mãe por 11 anos, para “brincar de novo com as cores”.

Essas histórias mostram que aceitar quem você se tornou não significa se prender a sonhos que não se realizaram, nem chamar de “tempo perdido” o que foi vivido. É reconhecer que cada conquista — grande ou pequena — ajudou a moldar a sua trajetória e deu sentido à sua vida.

Clarice Lispector escreveu: “Eu sou mais forte do que eu pensava e mais fraca do que eu imaginava”. É o equilíbrio entre aceitar fragilidades e valorizar a resistência que nos trouxe até aqui. Nossa mente, no entanto, tende a guardar mais cenas tristes que alegres. Notícias ruins chamam mais atenção porque a dor exige esforço para ser superada — e deixa marcas profundas.

Não se trata de negar as perdas, mas de não viver preso a elas. É como ficar para sempre na mesma página de um livro. Em As Pontes de Madison, a protagonista guarda a lembrança de um amor que nunca se concretizou, mas que foi real e transformador. Talvez nossa vida também tenha essas pontes: caminhos interrompidos que, ainda assim, deixaram marcas bonitas.

Sugiro um exercício: faça o seu “inventário da boa vida”. Anote momentos de coragem, pequenas superações, gestos de generosidade, aprendizados. Inclua também as coisas simples: “Aprendi a nadar depois dos 60”, “Cuidei da minha mãe até o último dia dela”, “Plantei uma árvore que hoje dá sombra”. No fim, a surpresa é quase sempre a mesma: há muito mais luz do que sombra.

E cuidado com a armadilha da comparação. Em O Velho e o Mar, Hemingway mostra que, mesmo quando o peixe é devorado pelos tubarões, a luta ainda é uma vitória. Só você sabe o peso da sua jornada. Não permita que ninguém julgue o valor da sua história — e muito menos que você mesmo a desvalorize.

Vitórias silenciosas não estampam capas de jornal, mas alimentam a autoestima e mantêm vivo o interesse pela vida — e é justamente esse interesse que dá sentido aos anos extras. Viver muito exige mais do que saúde física: exige curiosidade, abertura para aprender, disposição para se conectar e coragem para se surpreender.

Aceitar quem você se tornou não é se conformar, é se reconhecer. É olhar para as marcas do rosto e do corpo como capítulos, não manchas. É mudar a forma como contamos a nós mesmos o que passou. Quem deseja chegar aos 120 anos com brilho nos olhos precisa cuidar da narrativa que constrói sobre si. Não conte histórias ruins da sua vida para si mesmo — conte o que aprendeu com elas.

No fim, viver muito não é acumular anos como moedas, e sim ter paz com a própria história. É poder dizer: “Nem tudo foi como eu queria, mas o que foi, valeu”. Como escreveu Elizabeth Gilbert em Comer, Rezar, Amar: “A vida é curta demais para não sermos felizes com quem somos”.

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