A desigualdade educacional no Brasil é profunda e duradoura. Estudantes de famílias com maior renda costumam ter desempenho muito superior aos de baixa renda em avaliações de larga escala, apresentam maior probabilidade de concluir o ensino médio e também maior chance de ingressar no ensino superior. Estudantes negros, pardos e indígenas, em média, registram notas mais baixas e enfrentam maiores barreiras para acessar e concluir etapas posteriores da escolaridade quando comparados aos estudantes brancos e amarelos.
Diversos fatores podem contribuir para essas disparidades, mas uma explicação recorrente é a ideia de que alunos de maior renda têm mais acesso a professores mais eficazes. Isso se apoia no fato de que pesquisas apontam grande variação no impacto dos docentes sobre a aprendizagem, e que estudantes que convivem com professores de alto desempenho tendem a obter melhores resultados acadêmicos e maiores oportunidades futuras.
Estudos nacionais indicam ainda que professores que atuam em contextos de maior vulnerabilidade social costumam ter menor tempo de carreira, piores condições de trabalho e, em muitos casos, menos oportunidades de formação continuada quando comparados aos docentes que atuam em escolas de regiões mais ricas. Em resposta a isso, políticas públicas brasileiras como o Fundeb e programas federais de valorização docente buscam reduzir desigualdades na distribuição e no desenvolvimento dos profissionais da educação, embora maior tempo de serviço ou mais cursos não garantam automaticamente a oferta de um ensino de maior qualidade.
Para compreender essa dinâmica, é necessário analisar dados sobre estudantes e diferentes indicadores de qualidade docente em diversas redes públicas de ensino no Brasil ao longo de um período de cinco anos. Os resultados mostram que, na prática, alunos de baixa e de alta renda têm acesso mais semelhante do que se costuma supor a professores eficazes. Existem excelentes professores em escolas localizadas em territórios vulneráveis, embora muitas vezes seus resultados sejam pouco visíveis, já que seus alunos geralmente começam o ano letivo em grande desvantagem. Da mesma forma, escolas consideradas de bom desempenho podem ter professores pouco eficazes, cujas fragilidades passam despercebidas devido ao contexto mais favorável dos estudantes.
Uma possibilidade para reduzir significativamente as desigualdades educacionais seria realocar de forma ampla os professores mais eficazes para as turmas mais vulneráveis, porém essa medida é praticamente inviável. Além disso, o fato de estudantes pobres ou pertencentes a grupos minorizados terem mais contato com professores iniciantes tem impacto relativamente pequeno nas lacunas de aprendizado. A desigualdade de resultados parece estar mais ligada às condições socioeconômicas e às oportunidades de apoio fora da escola do que propriamente à eficácia dos professores.
Quem tem acesso a professores de alta qualidade?
Caso estudantes de baixa renda fossem sistematicamente expostos a docentes menos eficazes ao longo dos anos, seria fundamental entender como esses efeitos se acumulam e ampliam a desigualdade de desempenho. Para investigar isso, utilizamos o conceito de lacuna de ensino eficaz, que mede a diferença média no acesso a professores eficazes entre alunos de diferentes níveis socioeconômicos, permitindo análises mais amplas do que apenas um ano escolar.
A análise envolve dados de professores dos anos finais do ensino fundamental, notas de estudantes em avaliações estaduais e nacionais como o Saeb e avaliações municipais e estaduais, além de características sociodemográficas como raça ou cor, local de residência e elegibilidade a programas de assistência social.
A amostra inclui uma proporção significativa de estudantes residentes em áreas urbanas e pertencentes a famílias de baixa renda, muitos deles identificados como pretos, pardos ou indígenas. O desempenho médio nas avaliações apresenta uma distribuição desigual semelhante à observada nacionalmente, com grandes diferenças entre estudantes de baixa e alta renda em língua portuguesa e matemática.
As lacunas de aprendizado seguem o padrão brasileiro. Alunos mais pobres tendem a apresentar desempenho muito inferior em todas as séries avaliadas, e essas desigualdades aparecem desde os anos iniciais do ensino fundamental, aprofundando-se ao longo da escolaridade.
É importante observar que a eficácia docente varia de maneira considerável entre professores. Em cenários hipotéticos, um aluno pode ter um avanço significativo quando ensinado por um professor altamente eficaz, em comparação com o desempenho muito menor alcançado quando ensinado por um professor pouco eficaz.
Observa-se também que uma parcela relevante dos docentes trabalha em instituições de alta vulnerabilidade social, localizadas em territórios marcados por pobreza, violência ou carência de equipamentos públicos. Outros atuam em escolas de vulnerabilidade moderada ou em instituições de baixa vulnerabilidade, geralmente situadas em regiões mais ricas.
Método de análise
Para estimar a lacuna de ensino eficaz, calcula-se o valor agregado de cada professor ao desempenho dos alunos, vincula-se cada estudante ao valor agregado de seu docente e comparam-se as médias entre alunos de baixa e de alta renda. O resultado dessa diferença constitui a medida da lacuna.
As características como proficiência inicial, raça ou cor, gênero, necessidades educacionais especiais, mobilidade escolar e nível socioeconômico da turma também são consideradas. Considera-se ainda o perfil médio da sala no ano anterior, o grau de heterogeneidade de aprendizagem e a proporção de estudantes em situação de pobreza.
Posteriormente, simulam-se cenários para entender como a acumulação desses efeitos altera a desigualdade de desempenho ao longo dos anos. Estimam-se ainda cenários em que estudantes de todos os níveis socioeconômicos teriam igual acesso a professores eficazes, permitindo avaliar como isso afetaria ou não as diferenças de aprendizado.
A maior concentração de professores iniciantes em escolas vulneráveis amplia a desigualdade. Observa-se a proporção de docentes novatos em escolas de alta e baixa vulnerabilidade e comparam-se seus impactos com os de professores mais experientes.
As características das redes de ensino, como tamanho, nível de segregação socioeconômica, região do país e composição racial, influenciam o acesso desigual a professores eficazes. Redes maiores e localizadas em regiões historicamente mais vulneráveis tendem a apresentar maiores desafios nesse sentido.