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Ciência da Psicologia
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Psicologia Social no Brasil: racismo, diversidade e compromisso sociopolítico

Uma análise crítica sobre desigualdades, lutas por direitos e o papel transformador da prática psicológica no país

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

13/08/2025 15h08

people meeting support group

Foto: Freepik

A Psicologia Social brasileira, especialmente em sua vertente crítica, consolidou-se como uma das áreas mais potentes para analisar relações de poder, desigualdades e subjetividades formadas em contextos historicamente marcados pela exclusão e opressão. Inspirada por autoras como Silvia Lane e em diálogo com pensadores sociais como Jessé Souza, essa abordagem não se limita a descrever o comportamento humano: assume um compromisso com a transformação social.

Este ensaio reflete sobre três eixos contemporâneos centrais: o racismo estrutural e moral, as experiências da população LGBTQIA+ e os desafios da psicologia em contextos de exclusão, desigualdade e desinformação.

Racismo estrutural e moral: a contribuição de Jessé Souza

Em Como o racismo criou o Brasil (2021), Jessé Souza desloca a compreensão do racismo como simples produto de hierarquias econômicas, inserindo-o no campo moral e simbólico. Seu conceito de “subcidadania” descreve a formação de uma elite que, ao longo da história, legitimou a exclusão dos pobres — em sua maioria negros — por meio de valores morais que os desumanizam. Para ele, a dominação cultural naturaliza a miséria e transforma desigualdades históricas em supostas “falhas individuais”.

Essa leitura amplia o escopo da Psicologia Social ao indicar que o sofrimento psíquico deve ser compreendido também como resultado de sistemas simbólicos que desqualificam a existência de determinados grupos. Assim, psicólogos são convocados a repensar práticas, diagnósticos e modos de escuta. Compreender a interiorização da exclusão, como o racismo internalizado, é tão relevante quanto reconhecer a opressão explícita. A atuação deve se alinhar a uma proposta ética e política, reconhecendo o sujeito como produto e produtor das estruturas sociais que o formam.

População LGBTQIA+: sofrimento psíquico e direitos humanos

No campo da diversidade sexual e de gênero, a Psicologia Social tem papel decisivo ao denunciar a homofobia institucional, a patologização das identidades trans e a ausência de políticas públicas inclusivas. A teoria do estresse de minoria explica como o preconceito sistemático vivenciado por pessoas LGBTQIA+ afeta diretamente sua saúde mental. Homofobia internalizada, rejeição familiar e invisibilização social não apenas geram sofrimento individual, mas também produzem efeitos coletivos graves, como altas taxas de suicídio entre jovens dessa população.

A psicologia afirmativa surge como resposta ética e técnica, validando identidades, promovendo autoestima e combatendo práticas como a “cura gay”, proibida pela Resolução CFP nº 001/99. Políticas como o Processo Transexualizador do SUS e projetos sociais voltados ao acolhimento específico demonstram a importância de ações sensíveis ao contexto social e de gênero.

Nesse sentido, a interseccionalidade é crucial: ser trans, negro e periférico expõe o sujeito a múltiplas violências simultâneas, exigindo escuta qualificada e posicionamento ético firme. A psicologia não pode ser neutra diante da dor produzida socialmente.

Silvia Lane e a Psicologia Social crítica: sujeito histórico e prática transformadora

Silvia Lane é referência incontornável da Psicologia Social no Brasil. Sua abordagem crítica rompe com paradigmas tradicionais ao afirmar que o sujeito é constituído nas relações sociais, culturais e políticas. Para ela, compreender o sofrimento psíquico sem considerar as mediações sociais é impossível.

Sua crítica ao psicologismo — a tendência de reduzir tudo ao indivíduo — é essencial para repensar a formação e ampliar o alcance das intervenções. A Psicologia Social crítica propõe atuação em contextos comunitários, diálogo com saberes populares e rejeição à hierarquização do conhecimento acadêmico. Nesse contexto, escutar é um ato político, e cuidar é um ato de resistência.

Lane também dialoga com as epistemologias do Sul, propondo uma psicologia descolonial, comprometida com lutas populares e valorização dos saberes subalternizados. Sua defesa da prática extensionista vai além do assistencialismo, buscando a construção coletiva do conhecimento e a ação situada.

Mídias digitais, pandemia e polarização: desafios atuais

Nos últimos anos, a Psicologia Social enfrentou fenômenos como a pandemia de COVID-19, a intensificação da polarização política e o uso massivo das mídias digitais. Estudos mostram o impacto do FOMO (Fear of Missing Out), das câmaras de eco e do contágio emocional sobre a saúde mental coletiva, sobretudo entre jovens. Esses processos, ao estimularem ansiedade, distorções cognitivas e radicalização, exigem análise crítica e atuação estratégica.

A pandemia escancarou desigualdades e evidenciou o papel das lideranças comunitárias no cuidado coletivo. A presença da psicologia em territórios vulnerabilizados, fortalecendo redes de apoio e práticas solidárias, confirmou que seu compromisso social é urgente e concreto.

O reconhecimento formal da Psicologia Social como especialidade pelo Conselho Federal de Psicologia não deve significar burocratização, mas o fortalecimento de seu papel transformador. É preciso evitar que sua radicalidade se dilua, mantendo renovados os compromissos com justiça social, dignidade humana e construção de uma sociedade mais igualitária — com base em dados e evidências científicas que sustentem e orientem mudanças necessárias.

A Psicologia Social brasileira vive um momento de maturidade e desafio. As contribuições de Silvia Lane e Jessé Souza mostram que compreender as subjetividades exige enfrentar desigualdades sociais, raciais, de gênero e culturais. Formação crítica, práticas emancipatórias e escuta sensível são caminhos para uma psicologia verdadeiramente transformadora — que não apenas compreende o mundo, mas atua para modificá-lo.

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