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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

Justiça ou ruína do outro? Uma análise psicológica das redes

Como a psicologia explica o prazer na desgraça alheia e os riscos para a democracia

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

01/10/2025 15h46

medium shot woman holding smartphone

Foto: Freepik

Nos últimos anos, o cenário político brasileiro foi marcado pela condenação de figuras centrais, como os ex-presidentes Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Esses episódios geraram intensas manifestações nas redes sociais. No entanto, em vez de uma celebração da justiça ou do fortalecimento do Estado de Direito, o que se observou em muitos espaços virtuais foi a exaltação da ruína do adversário político.

Como professor de Psicologia, considero essencial distinguir esses dois movimentos. Comemorar, no sentido estrito, significa lembrar ou celebrar um marco coletivo de relevância histórica ou social. Já o que se viu nas redes foi algo distinto: o prazer no sofrimento alheio, como se a condenação de um político fosse capaz de resolver frustrações pessoais e coletivas. Esse fenômeno, conhecido como schadenfreude, levanta discussões éticas, jurídicas e psicológicas sobre os limites do comportamento humano em sociedade.

A Psicologia Social ajuda a compreender esse processo. Pela teoria da identidade social (Tajfel & Turner, 1986), os indivíduos tendem a valorizar o grupo ao qual pertencem (in-group) e a desqualificar o grupo adversário (out-group). Assim, a condenação de um opositor político é percebida como vitória do próprio grupo, e não necessariamente como avanço democrático. A teoria da desumanização (Haslam, 2006) complementa essa análise: quando o adversário é visto como “menos humano”, seu sofrimento passa a ser celebrado, reduzindo a empatia e naturalizando o ódio.

Outros aportes teóricos também ajudam a iluminar o fenômeno. Festinger (1954) mostrou que comparações sociais destrutivas reforçam sentimentos de superioridade, enquanto a teoria da dissonância cognitiva (1957) explica como indivíduos que defendem a democracia podem, ao mesmo tempo, vibrar com a ruína do outro, racionalizando esse paradoxo como “justiça feita”. Já a Terapia Cognitivo-Comportamental (Beck, 2011) evidencia como crenças e distorções cognitivas — como rotulação (“bandido”, “genocida”), pensamento dicotômico (“nós íntegros, eles corruptos”) ou heurísticas de ancoragem (Tversky & Kahneman, 1974) — moldam interpretações políticas e intensificam emoções.

Em contraste, a Psicologia Humanista, a partir de Carl Rogers (1997), destaca a importância da empatia e do respeito incondicional à dignidade humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) também afirma que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, inclusive aqueles condenados judicialmente. Celebrar a justiça significa reforçar valores democráticos e o Estado de Direito; já celebrar a ruína do outro revela schadenfreude e alimenta a polarização.

A distinção é decisiva: a primeira fortalece a cidadania, enquanto a segunda abre espaço para práticas autoritárias e corrosão democrática. Cabe à sociedade — e em especial aos profissionais da Psicologia — promover reflexões que valorizem a justiça sem transformar a política em espetáculo de ódio. A democracia não se sustenta pela alegria diante da queda do adversário, mas pelo compromisso com a dignidade de todos.

Fica a dica. Até a próxima.

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