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Ciência da Psicologia
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Juros altos no Brasil: uma tragédia econômica e psicológica repetida – Parte II

Como a política monetária de juros altos no Brasil reforça desigualdades econômicas e sociais, afetando a saúde coletiva e desafiando o desenvolvimento sustentável do país

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

09/07/2025 15h51

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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo

Para entender criticamente os efeitos da atual política de juros altos no Brasil, é essencial analisá-la à luz dos grandes paradigmas econômicos da história. Isso inclui examinar os modelos econômicos, suas utopias e as lições esquecidas, com uma abordagem da psicologia econômica. Antes que se apresente uma visão ideológica superficial sobre esses modelos, vamos explorar as diversas perspectivas e, ao mesmo tempo, desmistificar o papel do capitalismo, relembrando o sucesso do Plano Real – que, embora pouco discutido, teve como base um modelo de economia mista, também conhecido como nacional-socialismo corporativista. Este modelo, ao longo do tempo, evoluiu para o que hoje chamamos de “democracia social” ou “modelo nórdico”.

O capitalismo, modelo predominante no Brasil, baseia-se na propriedade privada dos meios de produção, na livre concorrência e na intervenção estatal limitada na economia. Sua vertente neoliberal, dominante nas últimas décadas, coloca o mercado como o regulador ideal das relações econômicas, enquanto a intervenção estatal é vista como uma distorção.

Capitalismo Selvagem
A lógica por trás da manutenção dos juros altos é, em grande parte, a contenção da inflação, a preservação do valor da moeda e a atração de capital estrangeiro. Porém, como discutido na coluna anterior, essa estratégia sacrifica os mais pobres para garantir a rentabilidade do rentismo – um paradoxo moral do capitalismo moderno, também denominado “capitalismo selvagem”. Thomas Piketty (2014) aponta que essa prática resulta em uma crescente concentração de riqueza e uma corrosão da coesão social. Para a psicologia social, sociedades com altos níveis de desigualdade apresentam maiores índices de ansiedade, violência, depressão e adoecimento coletivo (Wilkinson & Pickett, 2009).

O socialismo, em sua concepção teórica, propõe a socialização dos meios de produção e o planejamento central da economia, com o objetivo de reduzir desigualdades e garantir direitos sociais universais. Na prática, porém, regimes socialistas frequentemente resultaram em burocracias autoritárias e baixa produtividade. Cuba e a antiga União Soviética, embora tenham avançado em áreas como educação e saúde, falharam em gerar desenvolvimento econômico sustentável e liberdade individual – valores fundamentais para a saúde psíquica da população.

O Comunismo e suas Utopias
Embora o comunismo, enquanto ideal de uma sociedade sem classes e sem Estado, nunca tenha sido plenamente implementado, a experiência mais próxima foi o totalitarismo soviético sob Stalin, que resultou em graves violações de direitos humanos e colapsos econômicos. No entanto, é importante distinguir entre a utopia comunista e sua deturpação política. A promessa de igualdade radical do comunismo contrasta fortemente com a realidade do Brasil, onde a desigualdade é estrutural e sistêmica, agravada por políticas monetárias regressivas.

A Economia Mista e o Modelo Nórdico
Uma experiência intermediária, frequentemente ignorada por questões ideológicas, foi a da Alemanha entre 1933 e 1939, antes dos horrores do nazismo e da guerra. O regime promoveu uma reestruturação econômica conhecida como economia mista ou nacional-socialismo corporativista, que combinava forte intervenção estatal, investimentos maciços em infraestrutura (como as famosas Autobahns), controle cambial e limitação dos juros. O objetivo era reerguer a economia alemã após o caos inflacionário da República de Weimar. Embora o contexto fosse nacionalista e militarista, o fato é que o pleno emprego foi atingido em tempo recorde e o setor produtivo foi revitalizado. Esse episódio mostrou que intervenções estatais coordenadas podem reverter crises, desde que respeitem princípios éticos e democráticos – o que, na prática, não ocorreu.

Atualmente, países como a Alemanha e a Noruega adotam modelos híbridos – também chamados de “democracia social” ou “modelos nórdicos” – que combinam economia de mercado com políticas públicas robustas e um sistema bancário voltado para o desenvolvimento produtivo e social. A Noruega, por exemplo, utiliza fundos soberanos para redistribuir riqueza, e a Alemanha opera com bancos públicos regionais (Sparkassen), que oferecem crédito a juros baixos para empresas e cidadãos, promovendo, pelo menos economicamente, a saúde mental de sua população.

O Brasil e sua Contradição Econômica
O Brasil, por sua vez, continua preso a uma lógica contraditória: um discurso social que não se reflete na prática econômica. Enquanto se defendem políticas de transferência de renda e inclusão social, mantém-se uma política monetária que sabota essas próprias ações. Essa “esquizofrenia institucional” resulta em sofrimento social e psicológico, com desemprego, endividamento e desesperança.

É urgente que o Brasil repense seu modelo de desenvolvimento. Isso não significa abandonar o capitalismo, mas reformá-lo profundamente, inspirando-se em modelos como a “Economia do Bem-Estar” (Stiglitz, Sen & Fitoussi, 2009) ou na “Economia para a Vida” proposta por economistas latino-americanos progressistas. Significa entender que a economia não é um fim em si mesma, mas um meio para o florescimento humano.

Reflexões Finais
É preciso relembrar a inspiração de Gustavo Franco no modelo nacional-socialismo corporativista, que evoluiu para a “social democracia” e acabar com o discurso ultrapassado e hipócrita de que o socialismo seria a solução. Como abordado, no Brasil, o socialismo atende apenas a quem o “vende” à população.

Para a psicologia, a saúde mental coletiva depende de estabilidade econômica, segurança social e oportunidades reais de autorrealização. Não é possível promover o bem-estar em um país onde o crédito é extorsivo, a educação é frágil e o trabalho é precarizado. Os altos juros são, portanto, apenas um sintoma de uma estrutura maior: a captura do Estado por interesses financeiros, que se perpetuam por meio do medo, da desigualdade e da desinformação – promovidos pelo próprio Estado para manter seu status quo.

A política monetária brasileira, ao manter juros proibitivos sob um governo que se diz “popular”, revela o esgotamento de um modelo econômico que, embora disfarçado de responsabilidade fiscal, perpetua a desigualdade e o sofrimento. Uma verdadeira política de desenvolvimento precisa ser coerente com o discurso de justiça social, integrando crédito acessível, fortalecimento do setor produtivo e valorização da dignidade humana.

A História nos ensina que não há neutralidade econômica: cada decisão monetária também é uma decisão moral. Cabe à psicologia e à economia, enquanto ciências humanas, denunciar os efeitos perversos dessa lógica e apontar caminhos alternativos, sustentáveis e humanizadores, em vez de perpetuá-los sob a égide do socialismo, como temos visto e ouvido de políticos, da mídia e, infelizmente, até de acadêmicos.

Até a próxima.

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