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Ciência da Psicologia
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ETCC – Estimulação Transcraniana de Corrente Contínua (parte 1)

Conheça a técnica e saiba como ela foi erroneamente utilizada no passado

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

14/02/2023 9h38

Atualizada 16/02/2023 12h13

A Estimulação Transcraniana de Corrente Contínua (ETCC) (em inglês: Transcranial direct-current stimulation – TDCS) é uma forma de neuroestimulação que utiliza corrente elétrica baixa e contínua emitida diretamente na área cerebral de interesse, através de pequenos eletrodos. Inicialmente desenvolvida para ajudar pacientes com lesões cerebrais, a técnica tem sido utilizada para aumentar as habilidades linguísticas e matemáticas, atenção, resolução de problemas, memória, e coordenação. Apresenta robustos resultados no tratamento de pacientes com depressão, bipolaridade, autismo, TDHA, etc.

É importante pontuar que a técnica da eletroestimulação do cérebro já existe há mais de cem anos. Scribonius Largus, médico do imperador romano Claudius (43-48 d.C.), já descrevia a descarga elétrica do peixe torpedo para alivia dor de cabeça. Em seu livro ‘Compositiones Medicae’, o número de descargas elétricas para induzir topor inicial, com subsequente alívio da dor, variaria a depender do caso, uma vez que este peixe pode gerar descargas elétricas de até 50 V.

Outros autores como Aristóteles, Galeno de Pérgamo, e Plutarco também notaram os efeitos de entorpecimento associados a descarga elétrica do peixe, que tem em sua denominação grega para alguns membros de sua família peixes-torpedos, gêneros como a família Hypnos ou a Narke (de narcótico). No império mulçumano, o médico Ibn-Sidah também sugeria em seus trabalhos o uso das descargas elétricas do peixe-torpedo para tratamento de crises convulsivas.

A técnica da neuroestimulação por corrente elétrica não é algo novo, nos mais diversos campos da saúde. Na psicologia a ideia de eletrocoque carrega um grande estigma: tudo começou por volta de 1944, quando Emil Gelny, médico de dois hospitais psiquiátricos na Áustria e membro do Partido Nazista, modificou um aparelho de eletrochoque para uso no programa de eutanásia T4 de doentes mentais. Quando a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim, ele acrescentou mais quatro eletrodos a uma máquina de ECT, permitiu que a corrente elétrica fluísse por minutos (e não milissegundos) e executou 149 pacientes cujas vidas considerava “inúteis”.

O tratamento por “eletrochoque” começou a ser aplicado indiscriminadamente. Em 1946, dois psiquiatras de Siena, na Itália, relataram: “Hoje não há nenhuma doença mental em que a eletroconvulsão não tenha sido testada”. Entre os traumas da psicologia estava a inclusão da homossexualidade, que os três primeiros volumes do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (publicados entre 1950 e 1980) classificavam como uma forma de doença mental.

O uso generalizado da “terapia” – muitas vezes sem consentimento – era uma maneira de controlar pacientes violentos. Depois de uma sessão, eles ficavam sonolentos e atordoados e, portanto, mais maleáveis. Era uma forma de custódia, não de cura. Ainda no passado, na década de 1970, Healy e Shorter descreveram no livro ‘Shock Therapy’ (Terapia de Choque) a existência de um crescente movimento antipsiquiátrico, encabeçado pela Igreja da Cientologia, que alegava que a ECT “destruía mentes”.

No Brasil, vivemos o “holocausto de Barbacena”, onde o complexo manicomial conhecido por ‘Cidade dos Loucos’ foi fundado em 12 de outubro de 1903, em Barbacena-MG. Antes de ser um local focado no “tratamento” psiquiátrico, o Hospital Colonial de Barbacena tratava pacientes vítimas da tuberculose, o que explica a localização afastada do hospital, em cima de uma montanha. Local perfeito também para excluir os grupos marginalizados da sociedade.

Os pavilhões Afonso Pena, Milton Campos, Rodrigues Caldas e Júlio Moura recebiam todo tipo de pessoa, sendo que 70% deles não tinha nenhum diagnóstico mental. Eram alcoólatras, homossexuais, prostitutas, viciados em drogas e gente em situação de rua. Isto é, os indesejados pela sociedade.

O triste passado com uso indevido de uma terapia não pode servir como elemento restritor, ou mesmo como impeditivo para que a psicologia se aproprie desta técnica em beneficio de seus pacientes.

Na próxima semana, explorarei com o amigo leitor, os avanços e benefícios desta técnica para a psicologia.

Continua…

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