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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

As raízes filosóficas da psicologia moderna

Como as ideias de Hume sobre experiência, razão e identidade anteciparam debates centrais da psicologia moderna

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

30/07/2025 12h37

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Foto: Freepik

A coluna desta semana propõe uma análise da obra Investigação sobre o Entendimento Humano, de David Hume, destacando suas contribuições filosóficas e sua relevância para as teorias psicológicas. Por meio de uma abordagem interdisciplinar, busco mostrar como as concepções de Hume sobre empirismo, causalidade, identidade pessoal e associação de ideias influenciaram o desenvolvimento da psicologia como ciência — especialmente em vertentes como a psicologia associacionista, o behaviorismo e a psicologia cognitiva.

David Hume foi um dos principais expoentes do empirismo britânico. Em sua Investigação sobre o Entendimento Humano, propõe uma teoria do conhecimento baseada nas impressões sensoriais e na experiência como únicas fontes válidas de saber. Suas ideias tiveram grande influência no pensamento moderno e deixaram um legado duradouro nas ciências humanas, particularmente na psicologia.

Para Hume, todas as ideias derivam das impressões sensoriais. Ele distingue impressões (percepções vívidas e imediatas) de ideias (cópias esmaecidas dessas percepções). Essa concepção está na base da psicologia associacionista e influenciou correntes que compreendem o conhecimento como produto direto da experiência.

Hume descreve três princípios que regem a associação de ideias: semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causalidade. Esses princípios antecipam mecanismos mentais que viriam a ser explorados pela psicologia cognitiva e experimental, evidenciando a associação como força propulsora do pensamento.

Ao argumentar que a crença na causalidade não decorre da razão, mas do hábito, Hume se aproxima de ideias que mais tarde seriam desenvolvidas no behaviorismo, especialmente por Skinner. Nesse contexto, o comportamento é compreendido como resultado de associações aprendidas por meio de reforço e repetição. Assim, o hábito ocupa papel central tanto na filosofia humeana quanto na psicologia comportamental.

Hume também foi um crítico da razão. Para ele, até mesmo os princípios científicos se fundamentam em expectativas habituais, e não em deduções lógicas. Essa visão desafia pressupostos racionalistas e reforça o valor da experiência concreta — algo também caro à psicologia fenomenológica.

Outro ponto fundamental é sua negação da existência de um “eu” substancial. Para Hume, a mente é apenas uma sucessão de percepções. Essa perspectiva influenciou vertentes que enxergam a identidade como construção social e histórica, como a psicologia histórico-cultural e a psicanálise contemporânea.

As ideias de Hume permanecem influentes. Seu ceticismo, sua teoria da causalidade e sua concepção empirista da mente humana ressoam na psicologia experimental, no cognitivismo, na neurociência e em abordagens críticas da psicologia. Hume antecipa debates atuais sobre consciência, identidade e tomada de decisão.

Sua filosofia, ao revelar os limites da razão e da objetividade, oferece um instrumento crítico para refletir sobre como a psicologia contemporânea, ainda que se pretenda científica, está permeada por ideologias. A crença em métodos neutros e verdades universais pode ser compreendida como herança do racionalismo — justamente o alvo das críticas humeanas. Em tempos de medicalização excessiva da vida, de psicologização da subjetividade com vieses ideológicos e de intolerância frente a ideias divergentes, o pensamento de Hume nos convida a questionar os pressupostos epistemológicos e ideológicos da psicologia atual — e da que está por vir.

Até a próxima.

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