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Além do Quadradinho
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Venusto apresenta “Atravessa Pele”, seu primeiro EP

Depois de gravar dois EPs e descartá-los ‘por não achar que era maduro o suficiente’, Venusto chega em “Atravessa Pele”

Thaty Nardelli

11/09/2023 14h35

Foto: Divulgação

Criado no Núcleo Bandeirante, Tiago Nery Borges teve uma infância lúdica, entre árvores e córregos e programas de TV que despertavam sua imaginação, como “Balão Mágico” e “Castelo Rá-Tim-Bum”. Ainda na infância, seguiu para o teatro e para o cinema. Agora, o artista, que adota o nome de Venusto, tira da gaveta um dos seus grandes sonhos: o lançamento de seu primeiro EP, “Atravessa Pele”.

Nesta pequena seleção, Venusto apresenta uma MPB suingada, com inspirações em grandes nomes da música brasileira. “Na sonoridade, passeio pelo que escutava na minha casa de infância e que mais gosto: som brazuca que passa pelo samba, guitarrada e bossa. Nessa combinação, chego em um retrofuturismo da nova MPB, saudando meus ídolos e mirando em um futuro distópico – numa mistura de sons brasileiros e beats”, conta.

Quando você acha que a arte entrou na sua vida?
Desde os 7 anos estudo em escolas de artes. Comecei na Escola Parque da 308 Sul, em Brasília. Tinha aulas de Artes Plásticas e Música. Iniciei tocando lira e flauta doce. Eu adorava os dias de apresentação, os ensaios, o ritual de se vestir para os recitais. Mesmo ansioso pelo medo de não lembrar a partitura da música, eu adorava estar ali. Na adolescência, comecei a estudar Canto e Coral e Teatro no Espaço Cultural Renato Russo. Na hora de escolher qual faculdade seguir, optei pelo teatro, o que acabou tomando um espaço gigante e prazeroso na minha rotina.

Quando surgiu a necessidade de finalmente ir para a música?
Durante a faculdade de teatro, continuei estudando canto e violão paralelamente, compondo, sabendo que em algum momento iria fazer algo na música. Hoje, para mim, a música é a forma mais genuína com que me expresso.

Agora você realiza esse sonho antigo, o lançamento do seu primeiro EP. Como foi o processo de criação de “Atravessa Pele”?
Ensaio um lançamento musical há tempos. Escrevi minha primeira composição na adolescência, e nessa jornada cheguei a gravar dois outros EPs, que descartei completamente por não achar que eu era maduro o suficiente. Meu primeiro EP compus e gravei em 2014. Ali eu estava tentando entender o meu caminho, criei muita música experimental com gêneros diferentes. O segundo eu gravei em 2019, já numa proposta mais próxima do que agora entendo ser o “meu rolê”, mas precisando ainda de verniz. De lá para cá, me fortaleci artística e emocionalmente. Precisei trocar de pele algumas vezes durante esse crescimento. Até chegar no lançamento de “Atravessa Pele”, onde sou eu quem se permitiu ser atravessado. Hoje, vejo que todas as canções do EP podem ser interpretadas como hinos de devoção ao meu relacionamento com a música.

Fernando Jatobá e Rafael Ops foram seus produtores musicais. De que forma eles te guiaram para o que é hoje o “Atravessa Pele”?
Os dois são referência no cenário da música brasiliense, e para mim é uma honra trabalhar com eles. Quando pensei em gravar as músicas do EP, queria estar em um ambiente em que eu me sentisse confortável. Foi aí que o nome do Ops surgiu. Conheço ele do teatro, frequentamos as mesmas festas na época da faculdade. Adoro o som que o Ops faz. Marquei um dia com ele no Conic e mostrei para ele as ‘demos’ das minhas músicas. Ele curtiu, e eu já aproveitei para chamá-lo para produzir as faixas. Ele topou e me apresentou o Jatobá.

Em todo o processo, os dois foram muito generosos, deixando claro que eu deveria gostar de todos os detalhes da minha música, por ser o meu legado. Nos reunimos para discutir a forma da música, escutamos e discutimos sobre referências juntos, trabalhamos nas faixas até chegar no resultado que contentar a nos três.

Quais são suas principais referências para criar o “Atravessa Pele”?
Na faixa “Pele”, queria um som sensorialmente envolvente e forte. Uma história íntima com suingue onde escancaro o desejo da carne. Em uma biografia escrita sobre corpos. Minhas inspirações foram Luedji Luna e Mayra Andrade, que narram histórias de amor que urgem a vontade de dançar.

Em “Gatinha33”, viajei em uma bossa com influência de jazz e lounge. Na letra, canto a forma como nos identificamos e expomos nossas características ao nos relacionarmos virtualmente. Entre minhas influências estão Djavan, sua sensualidade, seu jogo com as estruturas melódicas, suas composições imersivas.

“Tagarelá” veio de fritações durante o isolamento, em 2021, quando, durante o caos em que estávamos imersos, tentando entender o sentido de tudo que estávamos vivendo e o que era realmente essencial. Fomos de shows a festas de família por videochamadas. Ali bateu a saudade do toque, do cheiro. A solitude tinha espaço, mas abraçar, sentir o cheiro fazia falta. Canto o desejo do encontro, a saudade delirante, inspirado pelo samba de artistas como Cartola, Jovelina e Dona Ivone Lara.

“Gatinha33” já ganhou um clipe. Como foi passar todos esses sentimentos “virtuais” para o vídeo?
Compus ela durante a pandemia, quando uma amiga se mudou para minha casa, e todos os dias me contava suas aventuras no bate-papo do Tinder. No vídeo, conto a história do enamorado em “estado de fritação” pelo desejo. Apresento esse enamorado e suas possibilidades em solidão. Ele canta na janela para sua “Musa”, o planeta Vênus, que adentra o melancólico e árido céu azul do fim da tarde de Brasília. Ele assiste atônito à TV, onde o “Gato Félix” está preso em uma bolha sem saber o que vai lhe acontecer. O enamorado se pavoneia, se joga ao chão, perde a cabeça, enquanto tenta lidar e entender seus sentimentos pela “Gatinha33”.

Qual a principal mensagem que você quer passar com o EP?

O EP “Atravessa Pele” é o meu nascimento de Venus, onde atravesso a placenta em direção a uma nova jornada na carreira musical. A temática central do projeto orbita em volta do “desejo”, onde canto histórias que me atravessaram, ou de meus pares. Em uma era onde vivemos relacionamentos atravessados por equipamentos eletrônicos, mesmo após a pandemia, somos em parte do tempo seres virtuais frente à tela, em relações íntimas sem “pele na pele”. Eu narro no EP o desejo de encontros de almas que perpassam a tela, a aparência física e os estereótipos. Sabendo que quem escutar o EP, vai estar comigo compondo, completando as letras das músicas com a persona em sua vida que se encaixa nas canções, busco nas letras ser o mais íntimo possível, serpenteando entre estilos musicais, envolvendo, enquanto deflagro três histórias reais.

Seu trabalho sempre procura a transformação da realidade por meio do diálogo e da democratização do acesso à cultura. Como você enxerga a cena cultural do Distrito Federal hoje em dia?
A cena cultural de Brasília é pulsante e rica artisticamente, mas essa realidade não contempla a maioria dos habitantes do DF. Quanto mais distante a região administrativa fica do Plano Piloto, menos contato os habitantes tiveram/têm com apresentações de artes cênicas/visuais e música. Lembro de me apresentar numa zona rural no DF onde, logo cedo, a merendeira de 70 anos corria com o lanche das crianças, pois ela queria assistir à apresentação. Ela contou que era a primeira vez que ela assistia.

Ministrando aula em unidades de internação da capital, vejo como a arte é uma ferramenta importante na reinserção de adolescentes em conflito com a lei. Acredito que o fazer artístico é um compromisso. Democratizar o acesso à cultura é fundamental para uma sociedade que tem como ponto central o bem-estar do cidadão. Para tanto, a cultura deve estar à disposição de toda a sociedade.

Antes de lançar “Atravessa Pele”, você passou por pelo teatro e pelo cinema. Como esse período ficou marcado para você?
O teatro acabou se tornando a minha base estética, onde hoje, me alimento para todos os outros segmentos artísticos. Nele tive a oportunidade de participar do meu primeiro espetáculo “Revolução na América do Sul” – obra de Augusto Boal, que traz importantes reflexões sobre o Brasil, política brasileira, diferenças de classe, obra atual até os dias de hoje. Outo projeto marcante, que ainda reverbera em mim, é o que desenvolvi junto ao meu grupo, a “Estupenda Trupe”. Esse ano iniciamos uma pesquisa buscando ampliar o olhar sobre a experiência de se viver na capital federal em seu início, quando tudo ainda era terra. Colocando as lentes de aumento em histórias de candangas e candangos invisíveis que construíram Brasília e que ainda constroem a história da cidade, hoje com 63 anos. Esse projeto intitulado “Terra Vermelha” onde eu estava no posto de direção, se desdobrou em performances realizadas na Rodoviária do Plano Piloto-DF, e video-artes, disponíveis nas redes do grupo.

Para quem está começando, qual recado você deixaria?
Não tenha medo de ser ridículo, todos somos ridículos. Passado isso, o que você quer dizer com sua arte? Sua arte conversa com quem? Sobre o quê? Sua resposta pode ser a força motora da sua jornada.

Conheça mais sobre o artista:
@venusto

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