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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

Os “Rastros Edificados” da fotógrafa Anna Menezes

Na série “Rastros Edificados”, em que imprime a liberdade do cotidiano, como meninos brincando em meio ao mar

Thaty Nardelli

28/08/2023 12h23

Foto: Divulgação

Brasiliense, a fotógrafa Anna Menezes, 27, tem em seu trabalho a poética se manifestando como um sistema construído pela interseção de dois conceitos principais: corporalidade e comunicação.

Após uma longa pesquisa realizada para formação de seu curso na Universidade de Brasília (UnB), Anna realizou a série “Rastros Edificados”, em que imprime a liberdade do cotidiano, como meninos brincando em meio ao mar, mulheres livres em seus mais diversos habitats, impressos em objetos que poderíamos compreender fixos, como tijolos e pedras.

“Fotografo pessoas, pois busco retratar a identidade brasileira e sua pluralidade presente no cotidiano. Um dos exercícios que queria transmitir com essa série era com a imagem da água que corre dentro da pedra, que é um pensar que a liberdade sempre caça um jeito”, revela Anna.

A Além do Quadradinho está de volta e apresenta toda a arte e sensibilidade da fotógrafa Anna Menezes.

Você se lembra do seu primeiro contato com a arte fotográfica?

Foi na adolescência. Ganhei uma câmera analógica na época e foi aí que tudo começou. Eu sempre fui uma pessoa observadora, sempre gostei de prestar atenção no meu cotidiano, nas pessoas, nas cenas que aconteciam, nos enredos que jamais se repetiriam da mesma forma. Foi a partir daí que percebi que o meu interesse pela fotografia já estava muito presente em mim, no meu olhar, nessa busca por intimidade com o meu cotidiano. Mas foi só depois de ganhar a câmara analógica que vi a possibilidade do registro e comecei a fotografar.

Quais foram suas principais influências dentro da arte à época?

Durante a adolescência eu gostava muito de ler os livros, as poesias do movimento da Geração Beat dos anos 1950. Através dos seus livros eles defendiam a contemplação da vida, o não conformismo, mas a liberdade. Eles me marcaram profundamente nessa época com muita inspiração de como olhar para a vida. Foi uma grande influência no campo das ideias, de como enxergar a vida, que eu trouxe para a minha fotografia. Na fotografia eu sou muito influenciada pela artista, fotógrafa e ativista visual sul-africana Zanele Muholi, que me mostrou que a fotografia pode significar alguma coisa.

Qual a mensagem principal que você quer passar com seu trabalho?

Fotografo pessoas, pois, busco retratar a identidade brasileira e sua pluralidade presente no cotidiano. O meu desejo é valorizar a nossa diversidade, nossas origens e nossas múltiplas culturas. O meu trabalho para mim é apenas uma ferramenta de comunicação. O que importa quando vou criar alguma coisa é a história, a mensagem, o sentimento, a conexão com o outro.

Seu trabalho de destaque atual é a série “Rastros Edificados”. Pode falar sobre como foi o processo de criação?

Eu estava cursando Teoria, Crítica e História da Arte pela UnB e peguei uma disciplina de Ateliê com a professora Cecilia Mori. Na matéria, a gente tinha que criar uma obra tridimensional para depois fazer uma exposição com as criações. Foi aí que me senti provocada e inspirada a criar algo com minhas imagens e surgiu a série “Rastros Edificados”. A Cecilia foi essencial nesse processo, uma grande inspiração!

Quais as técnicas e formas para manifestar o que sente e enxerga você já experimentou?

A partir da fotografia e do desejo de dar volume, peso e textura para as minhas imagens, comecei a fazer experimentações de impressão fotográfica sobre materiais não convencionais. Esse processo perpassa pela coleta dos materiais, a caminhada, a surpresa dos caminhos e muita tentativa e erro, mistura de técnicas até chegar em um resultado que me agrada.

Nesta série, você imprime imagens que passam a sensação de liberdade e em materiais e objetos estáticos, como tijolos e pedras. Qual exercício você gostaria de passar para o espectador por meio dessas obras?

Um dos exercícios que queria transmitir com essa obra era com a imagem da água que corre dentro da pedra, que é um exercício de pensar que a liberdade sempre caça um jeito (risos). Teve um poema da Cora Carolina que me inspirou muito no processo de criação e está muito presente nessa obra também, É assim:

“…Água – pedra.
Eternidades irmanadas.
Tumulto – torrente.
Estática – silenciosa.
O paciente deslizar,
o chorinho a lacrimejar
sutil, dúctil
na pedra, na terra.
Duas perenidades –
sobreviventes no tempo.
Lado a lado – conviventes,
diferentes, juntas, separadas.
Coniventes…”

Pedaço da poesia “Rio vermelho”, de Cora Coralina

Em grande parte de suas artes, temos o elemento da água. Isso traz algum significado?

Quando estou criando uma obra, costumo fechar a ideia, o significado, o menos possível, para deixar o mais aberto para o público que interage com a obra imaginar e criar significados. Acho muito rico quando as pessoas que entram em contato com a obra criam significado, criam emoções, e porquês… a partir disso, a obra cria vida própria. Mas esse elemento da água veio bem intuitivamente, me sinto muito livre e bem quando estou na praia, minha mãe de cabeça é Iemanjá — orixá (divindade africana) feminino das religiões Candomblé e Umbanda —, deve ser por isso (risos). Acho que é uma tentativa de tentar colocar na obra esse sentimento, essa conexão de estar no mar.

Tem alguma obra que você destacaria ou criou certo apego?

Essa é uma pergunta difícil porque tenho um carinho e apego por todas elas (risos). Acho que cada uma reflete um momento, uma história, uma emoção que me perpassou e eu consegui transformar em criação, em imagem, em objeto. Nem sempre consigo, às vezes travo, não consigo externalizar… Então, tenho grande carinho por todas.

O que move o seu olhar ao retratar algo?

Eu busco sempre tá exercitando meu olhar para as imagens cotidianas, sempre sendo necessário um deslocamento da visão, pois por serem imagens do meu convívio, elas rapidamente se esgotam de sentido. Por isso, eu busco sempre está estimulando o olhar para tentar enxergar, como um estrangeiro que visita um lugar pela primeira vez, aquele que enxerga o que para o local já se tornou invisível, sabe?! Então, tento embarcar na fotografia com olhos de estrangeiro para me despertar a atenção aos detalhes despercebidos, me despertar o movimento contínuo de entusiasmo com o desconhecido, me despertar para as surpresas no caminho.

Como você acha que a fotografia pode inspirar as pessoas?

Acredito que a fotografia inspira, informa, emociona e faz refletir. Ela eterniza momentos. Transforma instantes efêmeros em momentos perenes, uma versão mais detalhada de momentos que nossa memória jamais poderia recuperar. É com esses sentimentos e emoções que sou movida e que o meu trabalho busca dialogar e tocar de alguma forma as pessoas.

Tem algum momento da sua carreira que ficou marcado para você? Por quê?

Sim! Foi quando criei a minha primeira obra “Rastros Edificados” e participei de uma exposição. Ter conseguido concretizar essa ideia e ver as pessoas se conectando com o meu trabalho me deu um gás para seguir fazendo, foi um momento incrível que guardo com muito carinho.

Além de “Rastros Edificados”, quais trabalhos você destacaria nesses anos de carreira?

Destaco “Corpos sedimentares” e “Corpo-pedra: encontro de terras”. Ambas as obras passaram por um processo muito rico de reflexões. Durante o processo criativo eu percorri caminhos que me levaram de encontro com a coleta e a paisagem, o que direcionou bastante o meu olhar e a busca, quase insistência, em tentar ver o invisível, tentar desenvolver e exercitar a capacidade de observar as coisas. Essas duas obras foram essenciais para o meu crescimento artístico e pessoal.

Quais os planos para o futuro? Vem algum projeto novo por aí?

Atualmente estou em processo de desenvolvimento de uma nova série, mas sem detalhes para compartilhar ainda, por ser algo muito recente. Meu projeto para o futuro é expandir cada vez mais minha arte, ter a possibilidade de fazer mais exposições, intercâmbios e trocar com as pessoas.

Conheça mais sobre o trabalho da fotógrafa Anna Menezes:
https://www.instagram.com/anannnanan/

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