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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

Os movimentos fluídos do artista Ricardo Caldeira

Entre a dança e a pintura, Caldeira foca na arte negra e periférica. Conheça melhor o artista morador de São Sebastião-DF

Thaty Nardelli

10/04/2023 11h22

Foto: Divulgação

O artista visual Ricardo Caldeira foca, entre a dança e a pintura, na arte negra e periférica. Caldeira também é criador do projeto “Desenhandanças”, um ateliê aberto em que compartilha partes do processo criativo. Em 2021, ganhou o Prêmio Cultura LGBTQIA+ da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec).

Desde 2010, Caldeira desenvolve pesquisas, trabalhos, concepção e mediação de atividades formativas em arte-educação voltadas para a valorização da arte negra, LGBTQIA+ e periférica. Morador de São Sebastião, seu pensamento e obra estão presentes no livro “Vendaval”, um catálogo de sua produção artística, e na série “Favela Gay – Periferias LGBTQIA+”, disponível no Globoplay.

“A minha arte é uma forma de potencializar as falas do corpo, abrir escutas, desabrochar mensagens íntimas”, como ele mesmo ressalta. A coluna Além do Quadradinho conversou com o artista e apresenta mais sobre seus trabalhos e movimentos.

Quem é o Ricardo Caldeira artista?

Nesse momento, eu sou uma pessoa muito focada em preservar os meus registros, sistematizar tudo o que eu já produzi até agora, compreender o conceito do meu trabalho e de que forma ele pode se tornar um saber a ser multiplicado para e por outras pessoas. A minha arte é uma forma de potencializar as falas do corpo, abrir escutas, desabrochar mensagens íntimas. Desenhar é me retratar, mas ver além do que está no espelho ou na linguagem verbal objetiva. Em certa medida, é uma forma de ciência, de prática de vida, de saúde.

E como sua infância te fez perceber como artista?

Nasci em Brasília e vivi a infância entre o Lago Sul e o Plano Piloto, na casa dos patrões da minha mãe, que trabalhava como empregada doméstica. Depois que ela comprou um lote aqui em São Sebastião (DF), aos poucos fomos nos estabelecendo aqui, onde vivemos até hoje. Na minha infância eu gostava muito de desenhar, brincar de jogos de montar, criar personagens e enredos, isso tanto em suportes físicos quanto em jogos digitais, com amigos, mas muitas vezes só… Tanto a minha mãe quanto os meus padrinhos me incentivaram muito a ler, fazer atividades artísticas e físicas, o que influenciou bastante o meu desenvolvimento em vários aspectos.

Sua forma de se expressar por meio da arte envolve movimento, tanto nas plásticas, como na própria dança. Como foi esse processo de se perceber?

Quando eu tinha uns 20 anos, tive algumas experiências bem significativas que foram transformando a minha forma de ver o mundo, todas ligadas a movimentos de arte, cultura, sendo grande parte deles de artistas e coletivos autônomos. Um deles é o Movimento Supernova, que faço parte até hoje. Pensar a arte como um meio de vida é trazer uma outra forma de compreender o corpo em relação ao mundo e vice-versa.

Um novo aprendizado e desafio sempre, né…

Mais recentemente, a minha aproximação com a espiritualidade de matriz africana e a cultura de povos originários me fez compreender que eu também sou parte do ecossistema, que eu também sou um ecossistema. E para essas culturas, a arte e espiritualidade estão conectadas com a vida cotidiana, em especial com os ritos da comunidade. Por ser negro e homossexual, ou bicha preta, a dança já é culturalmente muito latente, então uma coisa influencia a outra. Na minha arte (e vida) eu sou conduzido pelas emoções, mas também com muita consciência do corpo, com ginga.

E, por você misturar práticas e artes, deve sempre estar em movimento…

Pessoalmente, eu sou uma pessoa que cria muitas conexões entre o que eu aprendo, as experiências que vivo. Misturo tudo nesse caldeirão que sou. Dançar influenciou a minha percepção anatômica do desenho, assim como me permitiu maior fluidez ao meu traço. O desenho e a escrita me ajudam a elaborar algumas sensações e experiências que tenho com a dança e performance. Todo o contexto cultural que trouxe me permite espaço para viver essas experiências, ter relações de troca e construção coletiva.

Como foi o processo do livro “Vendaval”?

Nessa época, nos meus vinte e poucos anos, eu estava renascendo. Tem pesquisas que falam que pessoas LBGTQIA+ vivem uma adolescência tardia, devido todos os conflitos dessa fase da vida atreladas à discriminação – ainda mais se formos racializar. Então, quando comecei a me sentir mais maduro, seguro e com certa autonomia financeira, me joguei nas aulas de dança, desenho, coletivos de arte e cultura. Só que eu sempre documentei tudo, anotava minhas percepções que tinha nas aulas de dança, por exemplo.

A partir dessa época passei a produzir desenhos e pinturas em tamanhos maiores, pois até então produzia apenas basicamente em folhas de papel comum. O livro traz uma série de recortes de tempos de sua carreira, misturando poesia e outras sinapses.  

Alguma parte de “Vendaval” te marcou mais?

Cada parte do livro é a minha favorita, dependendo do ângulo de vista – sou muito pai coruja! Mas, como hoje estou falando sobre registro, memória, sistematização de saber, fiquei pensando bastante no texto: “Há um rosto silencioso que se estampa sobre o meu”, que está na página 70 e é acompanhado por uma pintura que tem uma densidade que gosto muito. É uma crônica onde faço paralelos entre um rio e um rosto, onde ambos sofrem a ação do tempo, das intempéries e das emoções. Acho que nesse texto eu construí um pilar sobre do que se trata a minha arte. Eu falo sobre o ato de desenhar, de dançar, de se movimentar pela vida. Tem muitos símbolos e segredos.

Foto: Henrique Silva/Divulgação

Você participou da série “Favela Gay – periferias LGBTQIA+”, do Globoplay. Como essa experiência te influenciou?

Sou suspeito pra falar, mas a série é linda! A abordagem traz um panorama interessante sobre a interseção entre sexualidade, gênero e raça, de maneira territorializada. A série abre espaço de fala para estes agentes, mas também para pessoas próximas a cada uma deles e em seus contextos. Não é simplesmente um documentário com entrevistas, mas um olhar intimista sobre nossas vidas, onde a gente fala, se movimenta, dança e celebra.  É uma construção de narrativa que nos potencializa, ao contrário da grande mídia, que reforça nosso espaço ainda como um quarto de despejo.

Acompanhe o artista Ricardo Caldeira no Instagram.

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