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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

Naomi Leakes performa “Renaissance” pelo Brasil

Drag queen natural de Ceilândia-DF faz cover da cantora Beyoncé há seis anos e agora viaja o país com a turnê

Thaty Nardelli

03/07/2023 14h28

Foto: Divulgação

Filho único por parte de mãe, Victor Ruan Matos, a drag queen Naomi Leakes, nascido em Ceilândia, viu a expressão cultural entrar de forma libertadora em sua vida quando assistia clipes e fazia da toalha um cabelo e do pregador de roupas, grandes unhas, junto às maquiagens da mãe. “Não tinha noção da grandeza da arte que eu estava entrando”, conta. No último ano do ensino médio, fez a performance de “End Of Time”, música da cantora Beyoncé, que é sua grande inspiração, na qual criou uma conexão e, há seis anos, faz cover. Hoje, Naomi Leakes segue Brasil afora com a turnê “Renaissance”, inspirada no último álbum da diva pop. “Quero que o público que me assiste saiba que é possível estar em sua melhor versão, se mostrar, aproveitar a experiência que é viver sendo quem é, sem amarras, apenas leveza para si também”.

A arte drag é para o movimento LGBTQIA+ uma forma de resistência e de expressão política. Como foi a sua aproximação com essa expressão cultural?

Foi no aniversário de uma amiga, em uma noite de pijama. Nessa mesma noite fui introduzido à Beyoncé. À noite, ainda na festa do pijama, por meio de uma rede social, conheci uma drag de São Paulo. Me encantei! Fui entrando em outros perfis e, quando eu vi, pela manhã, estava cercado de drag queens online. Depois de um tempo, eu pensei: “Ah, não deve ser tão difícil”. Eu tinha 17 anos e decidi tentar. Peguei escondido uns itens de maquiagem da minha mãe e fui tentando, fugindo da realidade, criando meu próprio mundinho. Não tinha noção da grandeza da arte em que eu estava dando meus primeiros passos. Era diversão, uma forma de fugir da minha realidade, da timidez. E foi tão bom, tão leve, que eu acredito que foi a razão de me apaixonar tanto por drag.

A drag queen como corpo político, que transita na sociedade com seu picumã e maquiagem extravagante, é uma ferramenta pedagógica que contribui diretamente para pensarmos sobre as coisas que acontecem no mundo. Como você enxerga sua arte para a sociedade?

Eu me vejo como um leque de possibilidades. Acredito que somos a mudança que gostaríamos de ter visto em nossa jornada. Há seis anos, eu tinha poucas referências, como qualquer criança negra crescida depois dos anos 2000. Me achava estranho, não merecedor de atenção e afeto, e com a drag isso mudou. Eu me coloquei em um lugar de observação, elevei meus pontos fortes, encaro os que não gosto e transformo. Drag tem esse poder, tudo pode ser outra coisa! Quero que o público que me assiste saiba que é possível estar em sua melhor versão, se mostrar, aproveitar a experiência que é viver, sendo quem é, sem amarras, apenas leveza para si também.

Que barreiras você já venceu e quais você ainda gostaria de quebrar?

Durante uns anos usei cinta para apertar a cintura e depilei o corpo todo, pois até então a performance “feminina” deveria ser assim, tinha meio que um padrão. Até que um dia eu me questionei se aquilo era meu, e descobri que não. Algumas pessoas me questionam incomodadas com os pelos no meu corpo. Mas eu já aceitei que o meu corpo é a forma que tenho pra me expressar, e não vou feri-lo para agradar o olhar alheio. Faço arte para criar exatamente estes questionamentos. E ainda quero desapegar mais do cabelo, por exemplo. Amo meu cabelo longo, e sei que é também um apego ao que ele significa, mas eu quero transformar ainda mais as minhas perspectivas sobre esse assunto. Usar meu cabelo natural também significa possibilidades para quem me assiste, assim como a beleza nele.

De que modo você compreende que as mídias digitais têm contribuído para a sua visibilidade e para toda a comunidade drag queen?

É controverso. A gente gera muito conteúdo, mas no fundo, o que de fato contribui é, por exemplo, quando fechamos um trabalho através de uma indicação de alguém que nos acompanha, sabe?! É muito massa que somos capazes de chegar em mais lugares! A mensagem se propaga, e eu amo furar as bolhas, mas também é preciso colocar os pés no chão e entender que a arte drag não é online. Ela é intensamente presencial, precisa do olho no olho, do grito e do aplauso dos que assistem aos shows, assim como assistem horas pela timeline.

Há seis anos você faz cover da Beyoncé. Como surgiu essa conexão?

No último ano do ensino médio apresentei “End Of Time” em um projeto de consciência negra, e foi onde descobri que amava ser aplaudido. No mesmo ano, descobri a drag e foi o encontro perfeito. Os meus primeiros shows foram da mesma música, e continuei me dedicando a novos lançamentos. Me conecto muito em como ela se esforça para chegar a um produto final com conceito, coesão e aclamação. É muito inspirador.

Atualmente você está circulando o Brasil com o show “Renaissance”, último álbum da cantora. Como está sendo?

É indescritível! Performar música com o acréscimo de banda e efeitos é muito gostoso. Tive ballet na estreia da turnê, em uma casa de Brasília, e nos aproximou (eu e os fãs) ainda mais da experiência de uma turnê de fato. É muito gratificante ter o retorno de quem é fã e tá doido pra ver o show da Beyoncé ao vivo, dar esse gostinho é o que busco fazer. Comecei a trabalhar nesse show desde o dia que o álbum foi lançado. Então, tem quase um ano de muito trabalho nesse show.

Inclusive, as roupas e todos os detalhes do show foram criados por você. Geralmente você faz seus próprios figurinos?

Apesar de ter feito Design de Moda na faculdade, particularmente detesto costurar na máquina. Então me arrisco à mão. Fiz a roupa da contracapa do “Renaissance” e a do show do Super Bowl 2013 à mão, para citar alguns exemplos. Juntei as referências e confio em artistas maravilhosos, como a Norman Banks, de Recife, que fez o figurino inspirado em “Courrèges”; a alegoria (cama, robôs e caixa) são de Breno Tavares, renomado cenografista brasiliense, e o ballet vestido pelo estilista Felipey PS, de Ceilândia, que sempre costuma me vestir em outros shows.

E agora, quais os planos para o futuro?

Performar junto com a Beyoncé? Seria o sonho maior? Não sei. Sonho alto. Já tive muitos “nãos”, então busco criar oportunidades onde a alegria, junto com pessoas que me fortalecem, possam manter meu sonho se realizando sempre. Quero alcançar novos públicos, ir para a TV, conhecer o Brasil que ainda não conheci, carimbar muitos passaportes, dar uma casa pra minha mãe e muito mais.

E para quem quer começar a realizar essa expressão cultural, qual seu recado?

Estude. Saiba que é divertido e mágico, sim, mas precisa ter foco. Isso tudo, aplicado com consciência social, senso de comunidade, de que nossa arte tem potência para ensinar, que quando estiver confortável, é tempo de mudar, que drag é, além de tudo, possibilidade. Drag é diferença, é representatividade… É o que você precisa ter em mente. Ser fora da curva e ter potência de transformação, para assim, gerar cura, alegria e amor genuíno.

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