Manuela Rolim
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Aos sete anos, Ana Luíza Rodrigues Ribeiro era um milagre. Com malformação no cérebro, a menina desafiou a Medicina ao sobreviver aos poucos meses de vida que lhe deram no nascimento. Ontem, a luta foi interrompida. Segundo a família da paciente, um pediatra do Hospital Regional de Planaltina (HRP), onde estava internada, teria constatado morte cerebral após supostos erro e negligência médicos. A Secretaria de Saúde nega.
No domingo à tarde, Ana Luíza deu entrada no hospital após crises convulsivas leves, mas teve o quadro estabilizado, informou a tia da garota, Jaqueline Francisco Ribeiro, 34. Segundo ela, o problema veio na troca de plantão. “Ela passou muito mal por volta da meia-noite. Começamos a chamar o médico que tinha assumido, mas ele disse que estava ocupado. Minha sobrinha já não tinha mais força para respirar, não conseguia puxar o ar”, disse.
Jaqueline relatou que o plantonista apareceu e resolveu dopar e entubar a criança. “Depois, ele sumiu. Os batimentos foram caindo, e a temperatura, baixando durante a madrugada. Ela teve uma parada cardíaca, estava gelada”, completou.
Quando amanheceu, a família teve certeza do erro. “O médico que assumiu o plantão seguinte disse que o anterior deu uma droga muito forte, além do que ela suportaria. Ele ficou revoltado ao ver a situação. Chegou a discutir com o diretor do hospital, que disse ‘aqui não é hora nem lugar para isso’, já que eu e o pai da criança estávamos por perto”, contou a tia, que é estudante de enfermagem.
Ainda de acordo com Jaqueline, o quadro de Ana não foi acompanhado durante a madrugada: “Não sabemos qual remédio deram, pois não tem prescrição. Suspeitamos que tenha sido Diazepam”.
“A mãe está morrendo aos poucos”
A família de Ana Luíza decidiu doar os órgãos da menina, mas ainda esperava o laudo da morte cerebral na noite de ontem. “Meu cunhado está com minha sobrinha morta esperando o diagnóstico final desde de manhã. É muita dor, estamos destruídos. A mãe da Ana está morrendo aos poucos. O pai não come, não bebe água, está completamente arrasado”, lamentou a tia Jaqueline Francisco Ribeiro.
Ana Luíza era a caçula de duas irmãs e, apesar da deficiência, era uma garota alegre e vaidosa. “Ela adorava usar óculos e passar batom. Todo mundo era apaixonado por ela, até na escola. Já aconteceram várias complicações, mas sempre foi forte. Como vou viver sabendo que um médico veio e tirou a vida da minha sobrinha? Ele não tinha o direito de fazer isso, devia rasgar o diploma. A minha irmã cuidava dela como se fosse uma pedra preciosa, para que nada acontecesse. Assim que ela nasceu, o médico disse que ela ia morrer em poucos dias. Aninha era um milagre”, acrescentou.
Ao doar os órgãos, a família espera eternizar Ana Luíza. “Queremos que o olho verde dela brilhe em outra criança, que o coração dela bata em outra criança. Os médicos a mataram, mas ela vai continuar viva em alguma criança por aí”, concluiu Jaqueline.
Médico também se revoltou
Emocionada e revoltada com a situação, Jaqueline Francisco Ribeiro disse que o próprio médico que lhe informou sobre o suposto erro médico fez um desabafo. “Ele disse que tinha entrado de licença há três meses, mas se arrependia e podia pedir demissão a qualquer momento. Disse que estava ali para defender vidas. E o diretor, claro, com raiva dele”, afirmou. A morte cerebral foi constatada por esse pediatra, mas o laudo só pode ser liberado por um neurologista.
Versão oficial
Segundo a Secretaria de Saúde, a direção do HRP informou que “não houve qualquer tipo de erro”. “Apesar do atendimento prestado, a droga administrada não surtiu efeito e a criança permaneceu em quadro convulsivo, que evoluiu para parada cardíaca”, detalhou o órgão.
Ainda de acordo com a secretaria, a paciente foi imediatamente entubada e a equipe avaliava, até o fechamento desta edição, a suspeita de morte cerebral. A pasta concluiu que a família segue informada e a secretaria acompanha, de perto, o caso.