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60 Anos, 60 Histórias

Uma empresa para fazer uma cidade

“Mas não, mas não, o sonho é meu, e eu sonho que deve ter alamedas verdes. A cidade dos meus amores”, Chico Buarque em “A cidade ideal”

Redação Jornal de Brasília

28/02/2020 18h25

Olavo Davi Neto e Vítor Mendonça
[email protected]

Quando da posse de Juscelino Kubitschek, o 21º presidente do Brasil, o líder da Comissão de Planejamento de Construção e da Mudança da Capital Federal visitou o novo chefe do Executivo e deixou o cargo à disposição. JK, porém, insistiu que o marechal José Pessoa se mantivesse à frente do grupo. O militar permaneceu na chefia, mas por pouco tempo. Em maio de 1956, entregou carta ao presidente na qual pedia “demissão irrevogável”. Após um breve hiato, Ernesto Silva, então secretário, foi alçado ao comando da comissão.

Oficializado por meio de decreto presidencial em junho, Silva recebeu de Juscelino um pedido para adiantar os trabalhos referentes à construção da nova sede do poder nacional enquanto a mensagem de Anápolis, mencionada na última reportagem, tramitava no parlamento. Assim, já no dia 29, houve uma reunião entre a comissão e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), técnicos do governo e engenheiros para definir pormenores do edital a ser lançado para escolha do projeto urbanístico da capital.

A Lei da Novacap

Analisada pelo Congresso Nacional e devolvida à Presidência da República para sanção, a Lei nº 2.874 recebeu sinal positivo de Juscelino em 19 de setembro, e, no dia seguinte, passou a vigorar graças à publicação no Diário Oficial. Ela estabelecia, no artigo 1º, que “a Capital Federal do Brasil (…) será localizada na região do Planalto Central, para esse fim escolhida”, e logo na sequência autorizava o Poder Executivo a “constituir uma sociedade que se denominará Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil”.

Dentre as atribuições, caberia à Novacap lidar com “o sistema de transportes e comunicações do novo Distrito Federal com as Unidades Federativas”, tocar “a execução de obras e serviços de interesse” e “estabelecer normas e condições para a aprovação dos projetos de obras” da futura capital. No parágrafo único do artigo 2º, o Congresso se eximia da responsabilidade de examinar os planos traçados para a edificação da cidade. Também ficava estabelecido o capital social de Cr$ 500 milhões.

Para compor a administração, a lei arrolava todas as escolhas ao presidente da República, a quem também era atribuída a instância recursal em caso de impasses. A Novacap seria composta por “um presidente e três diretores”, tendo conselhos de administração e fiscal. Mais adiante, a norma derrubava as barreiras aduaneiras conflituosas com a atuação da companhia ao garantir “isenção de direitos de importação para consumo”, bem como “de impostos adicionais e taxas de quaisquer ônus fiscais” de competência federal.

No penúltimo artigo, o 33º, registrou-se o nome de “Brasília” para a nova capital. Além de uma homenagem ao Patriarca da Independência, a escolha marcava o ponto final na discussão do substantivo que caracterizaria a terceira — e definitiva — sede dos maiores poderes nacionais. Como vimos na 12ª reportagem deste especial, sete nomes foram cunhados para o sonho da interiorização da capital, mas venceu a alcunha do mudancista mais célebre, José Bonifácio, cuja vida e atuação foram tema do quarto texto desta série.

Do papel para o cerrado

Assim que o texto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), Juscelino Kubitschek nomeou Antônio Gonçalves de Oliveira como representante federal na Novacap. O então Consultor-Geral da República (CGR, hoje Advocacia-Geral da União) elaborou o estatuto da recém-criada empresa, lançada oficialmente em 22 de setembro. Dois dias depois, o presidente baixou os Decretos nº 40.016, que extinguiu a Comissão de Planejamento e da Mudança da Capital Federal; e 40.017, aprovando a constituição da Companhia Urbanizadora da Nova Capital.

Ato contínuo, o deputado Israel Pinheiro (PSD/MG) foi nomeado presidente, e os engenheiros Ernesto Silva e Bernardo Sayão (vice-governador de Goiás) também assumiram cargos na primeira diretoria da Companhia Urbanizadora da Nova Capital. O quarto membro da direção seria escolhido a partir de uma lista tríplice encaminhada pelo diretório do maior partido de oposição no parlamento, conforme o parágrafo 6º do artigo 12 da norma aprovada poucos dias antes.

Essa manobra de Juscelino atingiu em cheio aqueles que se punham contra a transferência, pois trazia para o mesmo “avião” os políticos que, em teoria, simplesmente o impediriam de alçar voo. O maior partido oposicionista era nada menos que a União Democrática Nacional (UDN), historicamente contrária à mudança da sede do poder público.

A cúpula da sigla indicou o ex-presidente Café Filho, o pecuarista e fundador da UDN Jalles Machado e o deputado por São Paulo Íris Meinberg. Envolvido nas tramas para impedir a posse de JK, Café foi logo descartado. Dos dois restantes, o governador goiano, Pedro Ludovico, era inimigo político de Machado e pediu ao presidente o veto ao nome do parlamentar. Por eliminação, Meinberg assumiu a quarta vaga de direção da recém-fundada sociedade.

O engenheiro e político Israel Pinheiro torna-se o primeiro presidente da Novacap e um dos principais nomes da saga da construção da nova capital no Planalto Central

Medidas de longo alcance em pouco tempo

Como dito, os decretos presidenciais de 24 de setembro extinguiram a Comissão de Planejamento de Construção e da Mudança do Distrito Federal. Assim, Ernesto Silva presidiu o grupo por apenas três meses, tempo suficiente para atitudes de peso para a constituição do novo Distrito Federal. Além de estudos econômicos, hidrobiológicos, sanitaristas e territoriais, Silva concebeu uma modalidade de crescimento da área em torno da futura capital junto a municípios vizinhos.

Para isso, solicitou dos poderes executivos de Formosa, Planaltina, Luziânia, Corumbá de Goiás, Cristalina e Unaí relatórios descritivos dos aspectos socioeconômicos locais. A ideia consistia em identificar gargalos nas cidades e propor incentivos governamentais para que nessas regiões periféricas da nova capital pudesse “ser fixada a grande massa de brasileiros que certamente — como de fato aconteceu — demandariam ao Planalto Central, atraídos por uma vida melhor”, conta Ernesto em História de Brasília.

“Sabíamos que, iniciada a construção da nova Capital, levas de nordestinos, de goianos e mineiros se dirigiriam a estas plagas em busca de melhores salários”, completa o autor. É, pois, a iniciativa precursora da Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (Ride) do Distrito Federal, criada apenas em 1998. Atualmente, a Ride abarca 30 municípios goianos e quatro cidades mineiras, tendo pouco menos de cinco milhões de habitantes, segundo estimativa de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 52. 338,56, conforme estudo de 2015 do mesmo órgão.

O primeiro concurso público de Brasília

No mesmo 19 de setembro de 1956, quando foi sancionada a Lei nº 2.874, outro movimento deu ainda mais força à construção da nova capital. Durante os quase cinco meses em que a proposição tramitou no Congresso, Ernesto Silva, o novo presidente da Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal, tornou público o edital do concurso para escolha do Plano Piloto da nova sede do poder nacional.

Confeccionado por Israel Pinheiro e os arquitetos Oscar Niemeyer — que recusara o convite de traçar um plano urbanístico —, Raul Pena Firme e Roberto Lacombe, o edital oficializava o júri, previa a premiação (Cr$ 1 milhão para o primeiro lugar; Cr$ 500 mil para o segundo; Cr$ 400 mil para o terceiro; Cr$ 300 mil para o quarto; e Cr$ 200 mil para o quinto), além do prazo de 120 dias para entrega dos projetos.

Sessenta e três candidatos (dentre CNPJs, grupos de engenheiros e CPFs solos) se inscreveram, mas apenas 26 deles apresentaram projetos. O concurso, os projetos, os nomes e os vencedores, porém, veremos mais adiante neste especial.

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