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60 Anos, 60 Histórias

Um tiro no peito comove o país

“A fome, a doença, o esporte, a gincanaA praia compensa o trabalho, a semana O chope, o cinema, o amor que atenua O tiro no peito, o sangue na rua”Sidney Miller em “Pois é, pra quê?”

Redação Jornal de Brasília

24/02/2020 10h47

Olavo David Neto e Vítor Mendonça
[email protected]

O governo do presidente Eurico Gaspar Dutra pareceu trazer de volta o interesse pela tese da mudança da capital para o interior. Na avaliação de algumas linhas historiográficas, talvez não exatamente por uma convicção pessoal de Dutra, mas talvez mais como um reflexo da sua obsessão por cumprir rigorosamente os preceitos da Constituição que promulgou em 1946 – o “livrinho”, como chamava.

Foi, porém, um tempo de revezes para o país. Num período de Guerra Fria e polarização de forças entre Estados Unidos e União Soviética, o Estado brasileiro alinhou-se automaticamente aos norte-americanos, rompendo, pouco mais de dois anos depois, as relações diplomáticas com Moscou e se isolando de boa parte do mundo oriental.

Também foi uma época dura para o proletariado. Apesar do caráter autoritário, a Era Vargas mostrou-se um período de conquistas trabalhistas, representado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) imposta por Getúlio. Um exemplo é o valor do salário mínimo. De 1942, quando o Brasil trocou o mil réis de Pedro II pelo Cruzeiro, a 1945, ano da queda do Estado Novo, houve uma redução do valor real de US$ 80 para US$ 65. A partir de 1946, a queda se acentua: chega a US$ 45 em 1947, baixando para US$ 42 nos dois anos seguintes, para chegar a US$ 40 em 1950, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o índice mais baixo no governo Dutra.

Além da desvalorização do pagamento ao trabalhador, a Segunda Guerra Mundial também contribuiria para limar a embrionária industrialização desenvolvida durante o Estado Novo, principalmente no consumo de itens primários. Durante a presidência de Dutra, as reservas cambiais brasileiras — medida que afere, a partir da balança comercial, os gastos do país no exterior -— foram queimadas pela aproximação com o Tio Sam, assim como colaborou o ressurgimento do comércio europeu, sobretudo nos bens de consumo, destroçado na guerra nazista.

“O retrato do velho”

As medidas do governo Dutra acabaram ajudando a pavimentar o caminho para a volta de Vargas, que ele planejara desde sempre. O ex-ditador, desta vez, seria conduzido ao Palácio do Catete, sede da Presidência, pelas urnas. Disputava contra o brigadeiro Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN) e o desconhecido mineiro Cristiano Machado, pelo Partido Social Democrata (PSD), candidatando-se pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Vargas manobrou para que o PSD na prática abandonasse seu candidato, criando um verbo que a política usa até hoje. “Cristianizar” virou sinônimo de largar o candidato do partido para apoiar outro de outra legenda.

A vitória veio após Getúlio aglutinar 48% do eleitorado em torno do seu nome. Em 1951, o gaúcho voltou ao poder e já tomou medidas que consolidaram a sua marca de grande bastião do trabalhismo brasileiro. No ano seguinte à posse, o salário mínimo real chegava a US$ 97, maior índice desde 1940; um ano depois, cairia a US$ 82 para, no ano do suicídio do presidente, voltar aos US$ 100 das quase duas décadas anteriores.

Amigo do mudancismo

 

Nem só de salário mínimo, porém, viveu Getúlio Vargas no segundo governo. Tido como inimigo da interiorização da capital — apesar da resistência em construir uma nova sede do poder nacional se desse para manter o equilíbrio com as oligarquias cafeeiras, de São Paulo, e pecuárias, de Minas Gerais, como visto na reportagem 16 deste especial —, Vargas retornou de braços abertos para o projeto mudancista. Tanto é que, já sob seu governo, proliferaram no Congresso Nacional propostas em torno do tema.

Ainda em 1951, o deputado mineiro Dilermando Cruz submeteu à análise do parlamento o Projeto de Lei (PL) 1343, que transferia, provisoriamente, a capital da República para Belo Horizonte.
Comissão especial

No ano seguinte, o Congresso despacha a Resolução nº 227, que institui a Comissão Especial de Mudança da Capital, para discutir a retirada dos maiores poderes brasileiros do Rio de Janeiro. Teria prazo de 60 dias e seria composta, se aprovada, de 25 deputados. Sem sucesso, mas com legado, a resolução resultou no Decreto 32.976, segundo o qual era “criada uma Comissão Especial para se incumbir dos estudos definitivos destinados à escolha do sítio e da área da nova Capital”.

Para liderar a nova missão, Vargas indicou seu chefe de gabinete, o general Agnaldo Caiado de Castro, companheiro de velha data do presidente, a quem dera suporte durante a vigência do Estado Novo. Atentos às conversas do general Djalma Polli Coelho com o Estado-Maior do Exército e o Estado-Maior Geral, dadas por meio de relatórios secretos e reservados em 1947, caberia a Caiado uma manobra geniosa para combater a especulação imobiliária apontada por Coelho na área da “farinha podre”, como era conhecida a região do Triângulo Mineiro por sua umidade, que estragava o produto alimentício. Este tema, no entanto, será abordado na reportagem de amanhã.

Outra tragédia silencia o país

O segundo governo Vargas foi conturbado. Foram diversas crises relacionadas, entre outras razões, à gestão do petróleo, à família do presidente, e, sobretudo, à relação do governante com a oposição. Já citado neste especial, Carlos Lacerda (UDN), deputado pelo, à época, Distrito Federal, mostrou-se um dos mais ferrenhos oposicionistas de Getúlio. Jornalista, utilizava de dois veículos diferentes para atacar o presidente, com destaque às supostas denúncias de corrupção no governo federal.

Em 5 de agosto de 1954, Lacerda, que andava escoltado por um brigadeiro da Aeronáutica, sofreu um atentado político. Baleado na perna, viu seu protetor dar a vida pela dele na rua Toneleros, em Copacabana, onde morava. O episódio ganhou proporções imensas quando Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, foi identificado por testemunhas como um dos autores do ataque.

Como um militar morrera, as Forças Armadas – que depuseram Getúlio em 1945 – abriram um inquérito militar, no episódio conhecido como República do Galeão (aeroporto fluminense que abrigava quartéis e moradias da Força Aérea).

A pressão das investigações levou Getúlio a uma atitude extrema. Após negar uma renúncia e prometer que “só morto” deixaria o Catete, chegou a afirmar a interlocutores que “o tiro que feriu Lacerda” o havia atingido pelas costas. Na noite de 24 de agosto, em seu quarto, o presidente da República sacou um revólver e disparou contra o próprio peito. A morte do “velho” levou o povo às ruas, e, conforme a historiografia predominante, retardou em dez anos um novo golpe militar no Brasil.

Um orgulho brasileiro nascido do combate a Hitler

Organizada desde 1930, graças ao sucesso do torneio olímpico, a Copa do Mundo da FIFA já reunia os grandes jogadores do planeta para tirar a teima acerca do melhor futebol do globo. Com a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha — e os consequentes conflitos gerados pela ideologia nazista —, as edições de 1942 e 1946 foram canceladas pela destruição causada no continente europeu. Assim, para 1950, a entidade máxima do esporte voltou os olhos à América do Sul, que recebera a primeira Copa em 1930, no Uruguai, para sediar a competição.

Surge assim a candidatura do Brasil. Sem estádios para largos públicos, coube ao país construir uma megalomania de concreto no que era, então, a capital do país. Com a necessidade de um palco esportivo à altura do evento que receberia na metade do século XX, a construção do Maracanã, bancada pelo governo federal, trouxe, também, o choro da derrota por 2×1 frente ao Uruguai na decisão “informal” do certame.

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