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60 Anos, 60 Histórias

Sete nomes para a nova capital

“Ah, nos rios me larguei, correndo sem pararBuscava Vera Cruz nos campos e no marMas ela se soltou, no longe se rerdeu”Milton Nascimento e Márcio Borges em “Vera Cruz”

Olavo David Neto

13/02/2020 6h22

Se batizar uma criança é difícil, imagine dar nome a uma cidade. Aliás, pense no trabalho que se tem para nomear a futura sede do poder público nacional, que, após duas trocas, se transferiria para um lugar longe do litoral. Ao longo de quase 150 anos, foram debatidos sete nomes diferentes para a nova capital do Brasil.

Tudo começa com a expansão da França Napoleônica, no final do século XVIII. Com a fuga da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, muito se especulou a respeito das condições de segurança e saúde da cidade alçada a capital do império português. Assim, propôs-se a discussão — que não gerou muitos frutos — da construção de uma “Nova Lisboa” no interior do território brasileiro.

Muitos relatos atribuem, erroneamente, este projeto ao Marquês de Pombal, primeiro-ministro lusitano que, entre outros feitos, reergueu a capital às margens do Tejo (a Nova Lisboa) após o terremoto de 1755 que devastou a sede do poder português. O problema é que o marquês faleceu em 1782, 26 anos antes de a família real lusa cruzar o Atlântico e se fixar no Rio.

A única relevância que pode ser atribuída a Pombal no processo mudancista brasileiro remete à Inconfidência Mineira, quando os impostos propostos pelo ministro incidiam sobre o ouro de Minas Gerais e geravam insatisfação na província aurífera. Esses desconfortos desencadearam, algum tempo depois, o movimento liderado por Joaquim José da Silva Xavier, ou Tiradentes, como já vimos nesta série especial.

O projeto do projeto

Como visto na quarta reportagem deste especial — sobre José Bonifácio —, o Patriarca da Independência propôs a discussão aos deputados de São Paulo que seguiriam às Cortes de Lisboa da criação de uma nova capital para a então colônia. Pouco depois da Independência, embalado pela proposição, o deputado paulista Menezes Palmiro, em janeiro de 1823, apresentou um documento a Bonifácio intitulado Memória a bem do Império e da Pátria.

Nele, além da proposta da criação de uma Ordem de Cavaleiros do Rei, o parlamentar rascunhou um projeto para o que chamou de Cidade Pedrália. Palmiro propunha um quadrado de aproximadamente 724 km² que abarcasse porções de terra de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, para, no centro desta nova província, “fundar-se a Côrte, denominada Cidade Pedrália (…), êste estabelecimento será o meio de povoar o sertão”, conforme o escrito.

Assim, seriam contemplados dois argumentos basilares dos mudancistas. “Fica favorável a todos os povos do Império, e livre de invasão dos inimigos”, relata o autor. “Parece que a fundação da capital deve ser aos 22 graus para abranger parte dos dois climas, o temperado e tórrido”, completa, adicionando o terceiro motivo mais comum nas propostas mudancistas e estabelecendo a sede da corte sete graus abaixo da cidade de Bonifácio.

Patriarca; mas também padrinho

No pós-1822, quando o Brasil emergiu enquanto soberano, Bonifácio manteve a militância por uma nova capital, e na Assembleia Constituinte de 1823 apresentou dois nomes: um em honra ao governante; outro simples, mas direto e com peso. Mesmo tendo entregue uma dissertação aos constituintes, Bonifácio subiu à tribuna da Assembleia para pregar o mudancismo. “Parece muito útil, até necessário, que se edifique uma nova capital do Império no interior do Brasil para assento da Corte, da Assembleia Legislativa e dos Tribunais Superiores”, discursou.

“Esta Capital poderá chamar-se Petrópole ou Brasília”, completou o Patriarca da Independência, que, neste momento narrado, também se tornou o padrinho da nova capital brasileira. A simples etimologia das propostas de nome dadas por Bonifácio dá força às sugestões. Petrópole remete ao monarca, já que se unem polis [grego para “cidade”] e “Pedro”, imperador do país. Já “Brasília” é um substantivo que remete à naturalidade brasileira, ou brasiliana.

Cabe lembrar que o sufixo “eiro” indica profissão — como banqueiro e mineiro, por exemplo. Assim, era “brasileiro” o extrator ou contrabandista de pau-brasil, e por muito tempo o termo foi tido em Portugal como pejorativo, de depreciação. Por isso, o gentílico “brasiliense”, usado para os candangos, pelas regras gramaticais deveria ser utilizado a todos aqueles nascidos no Brasil.

O título do Visconde de Porto Seguro

Defensor durante cerca de 50 anos da interiorização da sede do poder público, Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, também sugeriu um nome à cidade que ainda nem surgira — ou sequer era prevista nos dispositivos legais brasileiros. No Memorial Orgânico, de 1849, o historiador, militar e diplomata brasileiro critica a falta de interesse na mudança da capital, e ao apontar que uma nova cidade se ergueria no centro do território, deu-lhe vida. “Para a nova cidade destinada a ser sede do Império, propomos o nome de Imperatoria, que explica sua missão”, indica o visconde.

Projeto para a nova capital, com o nome de Vera Cruz, elaborado pelo marechal José Pessoa. Em comum com o projeto de Brasília, a mesma ideia de dois eixos que se cruzam usada mais tarde por Lúcio Costa.`Foto: Arquivo Público do DF

A ressignificação do herói

Com a queda da monarquia, em 1889, uma boa parte da cultura nacional passou por uma remodelação. Os signos da República recém-proclamada precisavam ser construídos, e, no final do século XIX, os bastiões da nova forma de governo desenterraram um cadáver morto 200 anos antes.

“Sua figura vai sendo reabilitada aos poucos, e é sobretudo na República que há um processo de reconstrução dos símbolos”, afirma o professor Kelerson Semerene, do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). “A bandeira é modificada e também os heróis, e o principal deles é o próprio Tiradentes”, completa.

O ápice dessa reconstrução se mostra na imagem do alferes, que, careca e sem barba pelo ofício militar até o último dia de vida, passou a ser retratado com barbas e cabelos negros e longos, semelhante à representação de Cristo no continente europeu. Na hora de redigir a primeira Carta Magna republicana, na Constituinte de 1891, ele não ficaria de fora. Uma emenda apresentada pelo parlamentar baiano Virgílio Damásio dava como certa a transferência da capital, cabendo ao Congresso definir o local, “que chamar-se-á Cidade de Tiradentes.”

Ao justificar-se, ele aponta que outras nações batizaram a si próprias ou às paragens mais importantes com a alcunha de seus heróis, e o Brasil republicano carecia deles. “Cogitei em escolher um nome”, diz Damásio, após a leitura, “assim como o nome de [Simón] Bolívar foi dado à Bolívia, por causa dos relevantes serviços prestados à Pátria por esse cidadão; assim como a capital da grande República americana tomou o nome de Washington; do mesmo modo nós, que tivemos Tiradentes, não é natural que escolhamos o seu nome para a Capital da República Brasileira?”, argumentou o baiano.

No século XX, ode aos colonizadores

Chefe da Comissão de Localização da Nova Capital, o marechal José Pessoa encomendou aos engenheiros Raul Penna Firme, Roberto Lacombe e José de Oliveira Reis um esboço para a nova cidade. Em 1955, o trio apresentou um projeto batizado de Vera Cruz, em homenagem ao primeiro nome dado pelos portugueses ao Brasil. Em comum com a atual capital aparecem dois eixos que se cruzam e a utilização da península formada pelo Lago Paranoá. Esse assunto será melhor abordado mais à frente, bem como outros projetos surgidos, mas parcamente conhecidos, já no século XX.

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