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60 Anos, 60 Histórias

O traço e as curvas do genial Niemeyer

Na série 60 Anos 60 Histórias, a fundamental presença do arquiteto que transformou a capital do Brasil num monumento a céu aberto

Redação Jornal de Brasília

05/03/2020 6h20

“Não é o angulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual”

Olavo David Neto e Vítor Mendonça
[email protected]

Um traço simples, quase infantil, que continha uma genialidade ímpar. Com gestos rápidos, desenhos e formas anteviam as obras já prontas numa mente genial, composta por alguns dos conceitos que revolucionaram as linhas arquitetônicas dos séculos XX e XXI. Quem observa os rabiscos de Oscar Niemeyer talvez não entenda como aquelas linhas tortas ganharam o mundo e fizeram de uma cidade uma exposição artística a céu — e que céu! — aberto.

O arquiteto Oscar Niemeyer em uma de suas obras, o Palácio da Alvorada foto : Ricardo Stuckert/PR

Nascido na segunda metade da década de 1900, Niemeyer, aos 21 anos, encontrou o rumo que o imortalizaria. Em 1929, inscreveu-se na Escola Nacional de Belas-Artes, instituição que seria comandada pelo urbanista Lúcio Costa a partir de 1931. Aluno brilhante, conseguiu estágio no escritório do diretor em 1935, um ano depois de se diplomar como engenheiro-arquiteto. Nesta época, um Brasil com nova Constituição e novo rumo pedia um novo prédio para o Ministério da Educação e da Saúde, projeto em que Niemeyer colaborou com Le Corbusier, arquiteto franco-suíço com quem ainda faria grandes parcerias.

A primeira construção com traçado exclusivo do carioca viria em 1937. Era a Obra do Berço — instituição que atendia mães e bebês em situação de vulnerabilidade —, edificada com características que marcariam o portfólio de Niemeyer ao longo da carreira. Com as fachadas retas e geométricas, a funcionalidade do local dava o tom da edificação das estruturas. No ano seguinte, outro projeto marcaria Oscar no rol dos arquitetos mais procurados do Brasil.

Bastião do modernismo brasileiro, Oswald de Andrade encomendou a Niemeyer o projeto de sua casa, em São Paulo. Além da residência do escritor, desenhou o Grande Hotel de Ouro Preto, cuja arquitetura seria resgatada para abrigar alguém ainda mais significativo — e numa região muito mais erma. Esse hóspede era o então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek — que confiou à mais nova estrela da arquitetura nacional o desenho do Complexo Arquitetônico da Pampulha, então uma área remota da capital mineira.

Os desenhos previam a construção de um cassino, um clube, um salão de dança, uma igreja e um hotel — que nunca chegou a ser construído. Além de JK, o destino promoveu outro encontro profissional que se estenderia nas próximas duas décadas: o encarregado da ornamentação da Pampulha era Burle Marx, paisagista já consagrado no Brasil. Além disso, foi a primeira obra de Niemeyer às margens de uma lâmina d’água artificial.

Do Brasil e do mundo

A Segunda Guerra Mundial ainda destruía a Europa sem uma certeza se Adolf Hitler conseguiria ou não expandir os limites nazistas a quase todo o Velho Mundo continental. Surgida do interesse diplomático de ter uma instituição mundial que servisse de instância máxima para conflitos internacionais, a Organização das Nações Unidas (ONU) preparava um terreno em Nova York, EUA, para erigir a primeira sede do órgão. Membro do Comitê de Planejamento, Niemeyer venceu a concorrência e se eternizou no coração de Manhattan, a ilha econômica.

Quatro anos depois, ganharia a honraria de membro honorário da Academia Norte-Americana de Artes e Ciências, além do livro The Work of Oscar Niemeyer, escrito por Stamo Papadaki. Já na década de 1950, seus desenhos originaram o Parque do Ibirapuera e o edifício Copan, cujos traços já se curvavam mais em relação aos primeiros trabalhos de Niemeyer.

Como frequentemente é dito, as curvas exploravam a capacidade de modelagem do concreto, além de terem inspiração no “corpo violão”, padrão de beleza vigente na metade do século passado. A guerra novamente cruzaria com vida e obra de Oscar em 1954, quando foi convidado a compor um grupo arquitetônico destinado a reconstruir o bairro Hansa, nos escombros de Berlim pós-guerra. De volta ao Brasil, Niemeyer novamente esbarrou com Juscelino, agora governador de Minas Gerais, para a construção do aeroporto de Diamantina — cidade natal de JK.

Um ano decisivo

O ano de 1955 representou muitas coisas para o Brasil. Desde a crise acarretada com o suicídio de Getúlio Vargas, no ano anterior, a renúncia do vice-presidente Café Filho e a derrubada do terceiro presidente em exercício Carlos Luz — bem como de uma campanha golpista para impedir a posse do candidato eleito ao Palácio do Catete, Juscelino Kubitschek — até as complicações da Guerra Fria entre a União Soviética, líder do bloco comunista, e os Estados Unidos, comandante do polo capitalista.

É neste contexto que Niemeyer, que projetara no recém-fundado Estado de Israel a cidade de Negrev, acorreu ao presidente quando da necessidade de projetos para a nova capital, prometida em campanha. Nomeado diretor de arquitetura da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, rejeitou rabiscar o desenho da cidade a ser erguida pelo simples fato de não ser urbanista, e, sim, arquiteto.

Assim, forçou a Novacap, na pessoa do também diretor Ernesto Silva, a elaborar o concurso do Plano Piloto — do qual foi jurado — vencido pelo mentor e amigo Lúcio Costa em março de 1956, assunto que abordaremos mais adiante neste especial. Também é de Niemeyer o projeto da primeira residência oficial de Brasília, construída para abrigar JK nas visitas constantes que o presidente fazia ao canteiro de obras no Planalto Central.

Ciente da missão, Oscar estava no Juca’s Bar, do hotel Ambassador, no Rio — que, inclusive, ainda está de pé —, pegou um guardanapo e ali mesmo projetou o “Palácio de Tábuas”, uma das alcunhas pelas quais ficou conhecido o Catetinho (batizado em homenagem à sede da Presidência na então capital Rio de Janeiro, o Palácio do Catete).

Edificado em dez dias na Fazenda Gama, a obra tem traços do Grande Hotel, citado anteriormente, desenhado pelo próprio Oscar Niemeyer em Ouro Preto, no interior de Minas Gerais.

O comunista

Quando deixou a casa dos pais, ainda na década de 1920, Niemeyer viu “como a vida era injusta”, segundo ele próprio comentou numa entrevista ao Jornal do Brasil, em 2005. Decidido a mudar o mundo, alistou-se nas fileiras do Socorro Vermelho (Red Aid), organização criada na III Internacional Comunista para combater o fascismo — à época uma ideologia em ascensão, sobretudo na Itália e na Alemanha.

Enquanto a carreira decolava, testemunhou a subida de Getúlio Vargas ao poder com a Revolução de 1930, sem, de fato, ser afetado pelo Governo Provisório. Já no final da primeira Era Vargas, em 1945, cedeu uma casa-escritório no bairro da Glória, no Rio, ao diretório do Partido Comunista do Brasil (posteriormente Partido Comunista Brasileiro, PCB) — composto por ninguém menos que Luiz Carlos Prestes. Filiou-se ao partido, de linha política russa e passou a atuar na logística da sigla que, curiosamente, apoiava o nome de Getúlio para uma transição moderada à democracia.

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