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60 Anos, 60 Histórias

O primeiro concurso público para criar Brasília

“Brasília nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”Lúcio Costa, no projeto que venceu o concurso para a criação de Brasília

Redação Jornal de Brasília

10/03/2020 5h24

Olavo David Neto e  Vítor Mendonça
[email protected]

Como sede do poder público nacional, é de se esperar que haja na cidade uma grande quantidade de concursos públicos — essenciais para o funcionamento da máquina, em um país com dimensões continentais. Todos os anos, candidatos do Brasil inteiro se encaminham à capital federal para concorrer em processos seletivos das mais diversas naturezas, sejam na área de educação, saúde, segurança pública, de aspecto judiciário ou mesmo no âmbito político.

Quando, porém, a cidade era apenas uma área demarcada no meio do cerrado, já houve um primeiro concurso público mãe de todas as outras provas no Distrito Federal. Via Decreto datado de 7 de junho de 1956, Ernesto Silva substituiu o marechal José Pessoa na presidência da então Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal, cerca de dois meses depois da mensagem do então recém-eleito presidente Juscelino Kubitschek ao Congresso. Nela, estabeleceu-se, de uma vez por todas, a edificação do terceiro centro político nacional e se criava a Companhia Urbanizadora da Nova Capital.

Enquanto o Projeto de Lei (PL) enviado por Juscelino ainda tramitava na parlamento, o chefe do Executivo convocou o recém-empossado líder do grupo — que seria dissolvido quando da oficialização da Novacap — para uma conversa no Palácio do Catete. Na reunião, JK solicitou a Ernesto que não esperasse a aprovação da Mensagem de Anápolis (já citada na 22ª reportagem desta série) para tomar providências quanto à construção da futura capital.

Silva atendeu ao pedido. Já no dia 29, convocou engenheiros, técnicos do governo federal e representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) para debates acerca do edital do que seria o primeiro concurso público de Brasília. Também participaram Israel Pinheiro, braço direito de Juscelino, e Oscar Niemeyer. Conforme conta Ernesto em História de Brasília, o grupo, depois “de marchas e contramarchas”, preparou “o edital do concurso, que foi lançado no dia 19 de setembro de 1956”.
Pronto, publicado e aberto

Com 24 itens e 25 subitens, a publicação definiu detalhadamente os aspectos a serem analisados — e inclusive quem os analisaria. Logo de cara, o documento delimitou a participação no concurso a “pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no país, regularmente habilitadas para o exercício da engenharia, da arquitetura e do urbanismo”. Também exigiu dos participantes a previsão do “traçado básico da cidade”, bem como da “interligação dos diversos setores, centros, instalações e serviços”.

No item 8, os organizadores do concurso abordam a composição do júri, que seria formado por “dois representantes da Cia. Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, um do Instituto de Arquitetura do Brasil, um do Clube de Engenharia e dois urbanistas estrangeiros”, e estipularam que não haveria instância superior a eles. “A decisão do júri será fundamentada, não cabendo dela qualquer recurso”, diz o texto. Em seguida, determinaram que “os trabalhos deverão ser entregues dentro de 120 dias, a partir da data de abertura das inscrições”.

Foram colocados à disposição um mosaico aerofotográfico e mapas de drenagem, geologia, dos solos para obras e agricultura e da utilização do terreno do Distrito Federal à época. No artigo 20, os elaboradores do concurso abriram espaço para facilitar uma visita dos concorrentes à área onde seria edificada a capital. Além da data, 19 de setembro, e da localização, Rio de Janeiro, o documento é finalizado com a assinatura de Ernesto Silva, presidente da comissão.

Muito interesse, pouco movimento

Publicado na página 32 da primeira seção do Diário Oficial da União (DOU) de 20 de setembro de 1956, dois dias antes da cerimônia de inauguração da Novacap, o edital foi alvo de questionamentos.

Diretor do Departamento de Urbanismo e Arquitetura da Novacap e um dos responsáveis pelo concurso, Oscar Niemeyer respondeu às dúvidas dos concorrentes por meio do IAB. Em resposta, apresentou características da região do Sítio Castanho, já desapropriado em favor da União. A direção dos ventos (“predominam os ventos leste”), questões de indústria e agricultura (“deverá prever-se um desenvolvimento limitado”) e a densidade populacional (“provisão para 500 mil habitantes, no máximo”) foram esclarecidas pelo dirigente.

Chama atenção na correspondência o item 4 respondido por Niemeyer, denominado “represa, hotel, palácio residencial e aeroporto”. Ao devolver o documento, o arquiteto determina que “o hotel e o palácio residencial ficarão situados de acordo com a planta já fixada”, além de determinar que “o palácio do Governo projetado aguardará fixação do Plano Piloto”. As inscrições ficaram abertas de 20 de setembro, data da publicação no Diário Oficial, a 5 de outubro — conforme previsto no edital. Neste período, conforme Ernesto Silva, foram contabilizadas 63 inscrições. Daí até 11 de março de 1957, prazo para envio de projetos, apenas 26 candidaturas entregaram trabalhos. Destes, seis foram apresentados por equipes; quatro por empresas; e o restante (16) foi entregue por candidatos avulsos.

Às 16h de 12 de março se encontrou pela primeira vez a Comissão Julgadora do Concurso Público, cuja presidência coube a Israel Pinheiro. A dupla da Novacap, como previsto no documento, foi completada por Oscar Niemeyer. O Clube de Engenharia se fez representar por Luiz Hildebrando Horta Barbosa, enquanto o Instituto de Arquitetos do Brasil enviou Paulo Antunes Ribeiro. De fora do país vieram William Holford, professor de Urbanismo da Universidade de Londres; André Sive, docente de Urbanismo em Paris, e Stamo Papadaki, arquiteto norte-americano — um estrangeiro a mais que o estipulado pelo edital.

Na reunião, Holford propôs uma pré-seleção para excluir os trabalhos que não merecessem uma segunda análise. Foram, então, escolhidos dez projetos para posterior avaliação do júri, que se debruçou sobre plantas e maquetes pelos dois dias seguintes.

Os trabalhos foram expostos no salão do Ministério da Educação — projetado por Niemeyer, como visto no texto 27 deste especial —, e o grupo de jurados emitiu um relatório final para a escolha do projeto vencedor.

Segundo o escrito, os integrantes apontaram que a primeira parte da missão foi atestar que uma capital federal, síntese da “vontade nacional, deverá ser diferente de qualquer cidade”, e que o centro de poder do país deveria “ter uma expressão arquitetural própria”. Quanto aos elementos funcionais, chegou-se à conclusão a partir “dos dados topográficos”, da “escala humana” — relação da extensão urbana com a densidade populacional —, o grau de interação “dos elementos entre si” e a relação com o entorno.

Na parte arquitetônica, os responsáveis atentaram-se à “composição geral” e à “expressão específica da sede do governo”. Finalmente, o júri anunciou quantos trabalhos seriam selecionados como vencedores: quatro projetos foram escolhidos.

Mudancista abnegado

O esforço de Ernesto Silva à frente do grupo não passou despercebido. Presidente da Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal por um trimestre (de 7 de junho a 24 de setembro, data do Decreto nº 40.016, que dissolveu a força-tarefa), teve menção de Juscelino Kubitschek em Por que construí Brasília.

“Embora sua gestão tivesse a duração de apenas três meses, acelerou a desapropriação de muitas glebas no sítio da Nova Capital; (…) e tomou outras providências, inclusive esta, da maior importância: iniciar os trabalhos para a realização do Concurso para o Plano Piloto da cidade”, relatou o já ex-presidente, em 1975.

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