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60 Anos, 60 Histórias

O cofre ficou com a oposição

Redação Jornal de Brasília

04/03/2020 9h01

Olavo David Neto e Vítor Mendonça
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Uma das primeiras manobras de Juscelino Kubitschek na Presidência lhe garantiu cumprir a mais ousada das promessas de campanha. Ao solicitar ao advogado Santiago Dantas a redação de um Projeto de Lei (PL) que “fosse um diploma legal completo, capaz de cobrir todas as fases da execução da transferência, sem que me visse obrigado a recorrer, de novo, ao Congresso”, JK entendia a importância de trazer ao barco aqueles dispostos a afundá-lo. Assim, poderia navegar sem maiores sobressaltos.

Menos de dois anos antes, Getúlio Vargas desferira um tiro no próprio peito que ferira gravemente o Brasil. A sequência do episódio foi marcada por manifestações populares de repúdio aos opositores do ex-presidente e pela crise sucessória desencadeada no Palácio do Catete. Juscelino — que vira a posse presidencial ameaçada pela oposição — sabia da dificuldade em moldar a vontade do parlamento à sua. Assim, urgia que se encontrasse uma solução consensual entre as partes.

Com os adversários

Foi desse espírito que surgiu o parágrafo 6º do artigo 12º, que exigia a nomeação de um terço do quadro de diretores e conselheiros da Companhia Urbanizadora da Nova Capital a partir de uma lista tríplice enviada pelo diretório nacional do partido oposicionista de maior bancada no Congresso Nacional. E, em 24 de setembro de 1956, quando da indicação da primeira diretoria da Novacap, o nome de dois figurões da União Democrática Nacional (UDN), o ex-presidente Café Filho e o pecuarista e fundador da sigla Jalles Machado, competiam com um parlamentar paulista: Íris Meinberg.

Carreira jurídica e política

Mineiro de Três Pontas, Íris concluiu a primeira parte da formação no interior de São Paulo, em 1924, e rumou à capital paulista para se formar pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1930, enquanto Getúlio e tropas gaúchas, mineiras e paraibanas tomavam o Brasil de assalto e instauravam o Governo Provisório. Advogado, foi alçado a promotor de Silvana quando da deflagração da Revolta Constitucionalista, e em 1934 chegou a Barretos para atuar como procurador municipal, onde ficou até as vésperas da derrubada do Estado Novo.

A militância antigetulista ganhou ainda mais força quando, à frente da União Agrícola e Agropecuária do Brasil Central, encaminhou memorando ao ditador no qual contestava o Decreto nº 7.666 — ou Lei Malaia, que combatia a formação de trustes. Para os oposicionistas, a medida do governo totalitário era antidemocrática. Eleito deputado federal por São Paulo em 1950, compôs, mais uma vez, o lado opositor ao, agora, presidente eleito Getúlio Vargas, bem como a própria UDN, liderada por Carlos Lacerda.

Após Getúlio ceifar a própria vida, Meinberg se viu dragado pela convulsão política posterior ao suicídio, e não conseguiu votação suficiente para voltar ao parlamento nacional. Suplente pelo partido, assumiu uma cadeira em julho, dois meses antes do diretório nacional udenista encaminhar a lista tríplice para composição da Novacap. Ligado ao agronegócio paulista, Íris era um bastião do interesse das oligarquias em manter inalterada a divisão territorial brasileira. E sem máculas no passado.

Eles não

Quando chegou ao gabinete de Juscelino, a lista tríplice encaminhada pela UDN perdeu, logo de cara, um integrante. O ex-presidente Café Filho, sucessor de Getúlio no Catete, conspirara para impedir a posse de JK em 1956 — e tinha chances de lograr êxito, não fosse um ataque cardíaco em novembro de 1955. Logo, era carta fora do baralho para assumir um cargo de direção na Novacap, a maçã dourada do governo Kubitschek.

Da cooperação Goiás/União, que já dera frutos com desapropriações, demarcações e campanhas culturais, veio o veto a outro dos nomes. Jalles Machado era inimigo político de Pedro Ludovico, governador goiano. Pecuarista, Machado era também um forte opositor à transferência da capital em detrimento do uso das terras destinadas ao então futuro Distrito Federal para fins econômicos. A pedido do chefe do Executivo estadual, JK riscou o segundo nome da lista.

Por eliminação, Meinberg, que não acumulava tumultos na vida pública, recebeu do presidente a chave do cofre: foi nomeado como diretor financeiro da recém-criada empresa, responsável por tudo que compunha o patrimônio da companhia, pelos salários de operários, por custear os novos projetos que se impunham à construção da terceira capital do Brasil. Como dito, a manobra de Juscelino amansou os opositores, que simplesmente viram um dos seus ser marcado com um alvo nas costas. Qualquer denúncia também os atingiria. Por outro lado, a presença de um opositor também dava garantias de segurança a JK.

Dentro, pero no mucho

Poucos relatos sobre a atuação de Meinberg à frente das finanças da Novacap sobreviveram ao tempo. Relativamente esquecido no imaginário cultural brasiliense, Íris aparece nas fotos visivelmente menos entusiasmado em comparação com os companheiros de empreitada. Quando muito, um sorriso tímido dado de soslaio em meio ao entusiasmo dos mudancistas de primeira ordem como Ernesto Silva, Bernardo Sayão e Israel Pinheiro.

No fim das contas, Meinberg serviu como um escudo para a equipe da construção. No decorrer das obras, entretanto, foi envolvido pelo que os mais velhos costumam chamar de “Ritmo de Brasília”. “A construção envolvia, contagiava todo mundo”, comenta o jornalista Jarbas Silva Marques. “O [Carlos] Lacerda queria aquela oposição fanática, mas o Íris, aos poucos, viu que não era bem assim”, comenta o ex-diretor do Instituto Histórico e Geográfico do DF.

Mesmo ao virar a casaca, a luz dos Três Grandes da Novacap — a saber: Bernardo Sayão, Israel Pinheiro e Ernesto Silva — incidia forte e jogou a imagem de Meinberg às sombras. “As três grandes figuras eclipsaram o Íris; além disso, ele ficou absorvido, pois cuidava das finanças, o que não era fácil”, completa Jarbas. No governo Jânio Quadros, o presidente instituiu uma comissão investigativa que, de acordo com o relatório final, apontou desvios na edificação de Brasília.

A resposta dos apoiadores de Juscelino era sistemática: quem controlava o caixa era a oposição. Desta forma, não houve maiores repercussões quanto a práticas de corrupção na edificação de nossa terceira capital. Para Jarbas, são bravatas ao vento de um presidente atrapalhado. “O Jânio não tinha qualquer capacidade para gerir um país e se elegeu nesse discurso de combate à corrupção. Mas não houve na construção, até porque quem cuidava do caixa era o Íris, oposicionista, e que era bem ético”, finaliza o jornalista.

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