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60 Anos, 60 Histórias

A guerra do fim do Império

Redação Jornal de Brasília

06/02/2020 10h02

Olavo David Neto e Vítor Mendonça
[email protected]

“Quando eu vim de minha terra
Despedi da parentalha
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaias
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes batalhas, ai, ai, ai.”
Xandó, Milton Nascimento e Paulo
Vanzolini sobre folclore, em “Cuitelinho”

Uma questão interna uruguaia mexeu com os brios das maiores potências do continente. A partir de 1863, o tradicional embate entre Blancos e Colorados virara guerra civil. Sob o comando de Venâncio Flores e com a proteção brasileira, os Colorados exigiam a deposição do blanco Prudencio Berro, aliado político do presidente paraguaio, Solano López.

A aliança era vital para que o país, rodeado por terras em todas as direções, acessasse o Oceano Atlântico via Rio Paraguai. Sem os uruguaios, apenas a via terrestre permitiria a exportação dos produtos da pujante nação guarani.

O Paraguai parecia uma ameaça naquele momento para seus vizinhos. Dez anos antes da guerra, um agente norte-americano escreveu a Washington que não havia crianças “sem saber ler e escrever” em terras paraguaias. Em As Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeano aponta que o desenvolvimento paraguaio realmente se destacava na região. “[Em 1865], o Paraguai contava com uma linha de telégrafos, uma ferrovia e uma boa quantidade de fábricas de materiais de construção, tecidos, lenços, ponchos, papel, tinta, louça e pólvora”, escreve o jornalista uruguaio. Também afirma o autor que “o país não devia nem um centavo ao exterior”, além de ter condições para manter “o melhor exército da América do Sul”.

Batalha do Riachuelo. Pintura de Eduardo de Martino/Museu Histórico Nacional

Com a intervenção brasileira no Uruguai, em 1864, a porta do Atlântico se fechou ao Paraguai. Destinado a reaver sua conexão com o mar, Solano López — que já declarara guerra ao Brasil — enviou tropas à antiga Cisplatina, mas, intencionalmente ou não, cruzou território argentino e colocou o país também na guerra.

A história da união de Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai está relacionada à criação de Brasília pelas suas consequências. Primeiro, é um dos fatores que apressou o fim da escravidão e o fim do Império. Mas além disso, explicitou o grande desconhecimento que o Brasil tinha do seu próprio interior. Graças à ignorância brasileira a respeito do próprio território — além de se tratar de uma fronteira parcamente guarnecida —, os paraguaios não tiveram dificuldades para invadir e tomar o Mato Grosso em dezembro de 1864. No primeiro dia de maio de 1865, secretamente, os três países se uniram em armas sob a alcunha de “Tríplice Aliança”.

A falta de ligações para o interior tornou o deslocamento das tropas brasileiras uma saga aquática. Para lançar-se em conflito, as tropas embarcavam no porto do Rio de Janeiro, cruzavam todo o litoral sul do país e subiam pela foz do Rio da Prata. Assim, entravam pelos afluentes Paraná e Paraguai para chegar à fronteira inimiga. E foi neste trajeto onde ocorreram as batalhas mais sangrentas da guerra: do Riachuelo, em 1865, que destroçou a marinha de guerra paraguaia, e a campanha de Humaitá, fortificação que demorou de 1866 a 1868 para ser vencida pelos aliados.

O genocídio

O Tratado da Tríplice Aliança previa, no artigo 6º, a impossibilidade de rendição do governo de Solano López. Assim, mesmo com o cenário de terra arrasada nos chacos paraguaios, as tropas brasileiras — que tomaram a hegemonia por parte dos Aliados no fim do conflito — avançavam Paraguai adentro em busca do general-presidente. No documento, Brasil, Argentina e Uruguai se comprometiam a cessar fogo somente “depois de derrubada a autoridade do atual governo do Paraguai; bem como a não celebrarem tratados de paz, trégua ou armistício”. Ou seja, recuar não era uma opção. Esse foi o motivo pelo qual Duque de Caxias se retirou do comando do Exército brasileiro, que passou às mãos do Conde D’Eu, marido da Princesa Isabel, quando a guerra se encaminhava a um dramático fim.

Apesar do dispositivo emanado no artigo 7º do texto, no qual os aliados rejeitavam que o conflito era “contra o povo do Paraguai, e sim contra o seu Governo”, a população guarani, cotada em 800 mil pessoas, segundo estimativas do Atlas Histórico do Brasil, organizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reduziu-se a cerca de 200 mil pessoas ao final do conflito. Destas, 180 mil eram mulheres, 9,8 mil eram meninos de até 10 anos, 2,1 mil eram jovens (entre 10 e 20 anos) do sexo masculino, e apenas 2,1 mil eram homens com mais de 20 anos. Boa parte das mortes se deu pelas precárias condições de higiene percebidas ao longo da guerra, lutada majoritariamente em terrenos alagadiços.

Mortos, esfarrapados ou endividados

A batalha de Humaitá. A esquadra brasileira força a travessia da posição fortificada, sob forte bombardeio.

Por parte dos militares paraguaios, um contingente de 68 mil combatentes no início da guerra, em 1864, conforme estudo da Fundação Getulio Vargas, reduziu-se a 45 mil no ano seguinte — já assinada a Aliança contra Solano López —, e entrou em 1868 com somente 25 mil soldados. Em dezembro deste mesmo ano, apenas 13 mil ainda combatiam, e em agosto de 1869 restavam cerca de 3,5 mil homens nas forças do país. Morto em março de 1870, López ainda dera ordens para meninos acima de 12 anos partirem para o confronto, e, mesmo assim, as tropas se limitavam a 150 adolescentes.

Se a guerra dizimou o Paraguai, também trouxe dificuldades para seus inimigos. Quanto mais as tropas aliadas invadiam o território paraguaio, mais deficitários se tornavam os governos. No Brasil, em 1864, a diferença entre o que era gasto e arrecadado pelo Estado era de 1,1 milhão de libras esterlinas; no ano seguinte, já com a guerra em curso, 15,2 milhões, valor que chegou a 61,9 milhões em 1866, caiu para 54,4 milhões em 1867, mas saltou a 83,8 milhões em 1868, quando a Tríplice Aliança tomou posições estratégicas que encaminharam a vitória sobre o exército guarani; no ano de 1869, o déficit alcançou 62 milhões de libras esterlinas, e no ano da morte de Solano López, 1870, um prejuízo de 1,1 milhão foi percebido.

Inglaterra

Há muita discussão nos ambientes acadêmicos quanto à participação inglesa na Guerra do Paraguai. Enquanto uma parcela de pesquisadores considera ínfima a contribuição britânica para o conflito, outra parte aponta os empréstimos às nações envolvidas no confronto como cruciais. Assim como o Brasil, Argentina e Uruguai, ainda que em menor volume, abriram os cofres para financiar a “Maldita Guerra”, conforme disse Irineu Evangelista de Souza. Segundo previu o Barão de Mauá, o conflito endividou os vencedores e devastou os derrotados.

Solano Lopez, o inimigo da Tríplice Aliança Brasil, Paraguai e Uruguai

Eduardo Galeano indica que não houve influência bélica da Inglaterra, mas “foram os seus mercadores, seus banqueiros e seus industriais que resultaram beneficiados com o crime do Paraguai”. Os números apresentados acima como custos de batalha, por exemplo, foram disponibilizados por mãos inglesas. “A invasão foi financiada, do princípio ao fim, pelo Banco de Londres, pela casa Baring Brothers e pela banca Rothschild, através de empréstimos a juros leoninos que hipotecaram o destino dos países vencedores”, sustenta o autor.

No pós-guerra, cresce debate sobre mudança da capital para o interior

Apesar da vitória na Guerra do Paraguai — ou da Tríplice Aliança —, o Brasil sofreu consequências diretas do conflito entre 1870 e 1889, ano da queda do Império. Com Duque de Caxias, até hoje patrono do Exército Brasileiro, a expansão bélica e também nos quantitativos de tropas levaram a uma participação cada vez maior da caserna na vida pública brasileira.

Como muitos negros escravizados lutaram no conflito em nome dos senhores — e também de uma promessa de alforria —, o Exército se recusou a caçar cativos fugidos, além de endossar a campanha pela abolição, concretizada em 1888. Apoiada sobre um regime escravista de trabalho, a coroa brasileira continuava a perder força política.

Além disso, a própria politização das tropas adubou o terreno para a entrada do positivismo kantiano nos quartéis, que deflagraram a República e utilizaram um dos lemas de Immanuel Kant (“O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”) na bandeira criada para a forma de governo vigente no Brasil a partir de 1889.

Com isso, voltou à tona um ideal de reorganização territorial, e a construção de uma nova capital agiria como um marco para o futuro do país. Assim, já na Assembleia Constituinte de 1891, foi debatida — e constitucionalizada — a interiorização da capital republicana.

Na Constituinte, o parlamentar baiano Virgílio Damásio inclusive rememorou o conflito. Da tribuna, Damásio considerou que, posta “na mais bela das mesopotâmias” [meso = entre; potâmia = rios], a capital permitiria fácil acesso às fronteiras “para defendê-las de cada um dos nossos inimigos (e nós sabemos quais são os nossos inimigos)”. Com uma cidade edificada a cerca de 725 quilômetros de Cuiabá, “quando nossos inimigos fizerem menção de nos agredir, nós não teremos necessidade de superar os obstáculos que pelo lado do Prata (…) se nos anteponham, porque poderemos ir feri-los em pleno coração, por terra e com facilidade”.

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