Paul Thomas Anderson nunca foi um cineasta de meias palavras. Em Uma batalha após a outra, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (25), ele constrói uma narrativa que mistura sátira política, ação pulsante e diálogos afiados, ao mesmo tempo em que desnuda as contradições de um país que insiste em se ver como farol da democracia.
Inspirado livremente em Vineland, de Thomas Pynchon, o longa preserva a marca do escritor: caos, ironia e personagens deslocados em um mundo que não sabem bem como habitar. Leonardo DiCaprio assume um papel de fragilidade surpreendente, vivendo um ex-revolucionário que tropeça na própria incapacidade, mas insiste em seguir adiante.

Na outra ponta está Sean Penn, em uma atuação de fôlego e malícia. Ele encarna um antagonista que sustenta a farsa de um regime autoritário, oscilando entre a crueldade perversa e o ridículo calculado. É a síntese de um vilão que diverte e assusta, dividindo o público entre a repulsa e o fascínio.
A sátira de Anderson tem ritmo próprio. A montagem segura mais de duas horas e meia de projeção com um senso de urgência constante. Cada quadro é conduzido por uma fotografia meticulosa e um desenho de som que transforma explosões contidas e sussurros em armas dramáticas.
A trilha de Jonny Greenwood, colaborador fiel do diretor, funciona como corrente elétrica. Suas notas repetitivas e tensas movem a trama, criando um campo de batalha sonoro que se alia às imagens para envolver o espectador. Em muitos momentos, é a música que traduz aquilo que os personagens não conseguem expressar.
Se a engrenagem estética funciona com precisão, a política apresenta ruídos. Anderson demonstra consciência ao abordar racismo, xenofobia e intolerância, mas sua tentativa de subverter clichês acaba resvalando na idealização.
Quando personagens de minorias surgem como arquétipos de pureza, coragem ou sabedoria infalível, a caricatura se inverte. A freira rebelde, o mestre latino que salva imigrantes, o capanga nativo que inevitavelmente escolhe o lado certo — tudo soa didático demais para uma produção que ambiciona complexidade.
É nesse ponto que Uma batalha após a outra perde parte de sua força crítica. A sátira, tão eficaz ao ridicularizar autoritários e instituições, enfraquece quando recorre a atalhos para representar o “outro” como contraponto idealizado. A ironia cede espaço a uma ingenuidade pouco condizente com a sofisticação habitual de Anderson.
Ainda assim, há potência nesse descompasso. Ao falhar na sutileza, o longa revela o desconforto de um cineasta que se arrisca a lidar com feridas que não são as suas. O excesso é humano, a culpa é transparente — e talvez por isso o resultado seja tão instigante.
DiCaprio se afasta do herói clássico ao construir um protagonista que erra, hesita e sobrevive por acaso. Sua vulnerabilidade o aproxima mais do público do que qualquer gesto grandioso poderia. É um herói do fracasso — e essa honestidade é uma das maiores virtudes do longa.
Penn, por sua vez, entrega uma das performances mais afiadas da carreira. Seu vilão não é apenas reflexo do poder fascista, mas também retrato do ridículo de quem acredita dominar pelo medo. É uma atuação que sintetiza o espírito do filme: rir e temer ao mesmo tempo.
No fim, Uma batalha após a outra não fala de vitórias ou derrotas, mas da persistência em lutar diante do absurdo. Anderson mostra que a verdadeira batalha não é contra um inimigo específico, mas contra a tentação de simplificar demais o mundo.
Conclusão
O resultado é uma obra vibrante, contraditória e imperfeita — justamente por isso fascinante. Um cinema que incomoda, diverte e provoca, mesmo quando se perde em seus exageros. Afinal, como sugere o título, sempre haverá outra batalha à espera.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Paul Thomas Anderson;
Roteiro: Paul Thomas Anderson;
Elenco: Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Benicio del Toro, Regina Hall, Teyana Taylor, Chase Infiniti;
Gênero: Ação, Policial;
Duração: 170 minutos;
Distribuição: Warner Bros. Pictures;
Classificação indicativa: 16 anos;