Há filmes que chegam embalados por promessas tecnológicas, mas tropeçam justamente onde deveriam romper limites. Tron Ares, que estreia nesta quinta-feira (9) nos cinemas, é um deles. A nova tentativa de ressuscitar a franquia digital mais icônica dos anos 1980 soa como um software que insiste em rodar num sistema ultrapassado. Entre luzes, pixels e ambições de grandeza, o que se vê é uma obra que mira o amanhã com os olhos presos ao espelho retrovisor da nostalgia.
Joachim Rønning, acostumado a transformar sequências em labirintos visuais, parece operar aqui sob uma diretriz corporativa: atualizar o produto, não o pensamento. O resultado é um espetáculo de estética controlada e ideias reprogramadas. Tudo é bonito — e estéril. O 3D, as trilhas eletrônicas de Trent Reznor e Atticus Ross e o brilho vermelho dos circuitos gritam por relevância, mas a narrativa não responde.

O roteiro de Jesse Wigutow até poderia mergulhar nas tensões éticas e filosóficas da inteligência artificial, mas prefere trafegar na superfície. A ideia de que programas virtuais possam cruzar para o mundo real — e vice-versa — tem potência, mas o filme a trata como curiosidade de manual técnico. Em vez de questionar o que é existir, Tron Ares pergunta quanto vale existir, e o faz com a frieza de uma planilha.
Jared Leto surge como Ares, uma IA que desperta consciência, mas está preso a uma performance sem pulsação. Sua humanidade se reduz a gestos de manequim, e o arco de transformação que poderia gerar empatia se dissolve no mesmo vazio que circunda os cenários luminosos. O contraste com Eve Kim (Greta Lee) até insinua alguma fagulha emocional — mas o filme, refém de seus efeitos, não deixa o fogo acender.

O maior problema é que Tron Ares tenta falar sobre transcendência tecnológica, mas opera dentro de uma lógica puramente mercadológica. Cada diálogo parece calibrado para anunciar uma nova sequência, e cada dilema é substituído por uma piscadela ao passado. O legado de Kevin Flynn, que antes simbolizava a rebeldia do programador contra o sistema, vira aqui uma lembrança vendável — uma marca, não uma ideia.
Há momentos em que o espetáculo tenta convencer pela grandiosidade: corridas de motos luminosas, gladiadores digitais, naves flutuando em neblinas sintéticas. É bonito de ver, mas pouco se sente. O impacto visual, como um protótipo sem propósito, evapora assim que as luzes do cinema se acendem. Resta a sensação de ter assistido a uma demonstração técnica, não a um filme.

Mesmo as boas intenções — como sugerir que a IA pode ser uma força do bem — se perdem em contradições. O filme defende empatia artificial enquanto exibe personagens humanos programados para obedecer à fórmula Disney de redenção. No fim, o que deveria ser um diálogo entre carne e código se transforma em um sermão corporativo sobre inovação com propósito.
Conclusão
Tron Ares termina como começou: deslumbrado consigo mesmo, mas vazio de substância. É o tipo de reboot que confunde atualização com sentido, estética com experiência. Ao tentar reconectar o público ao universo digital que um dia foi visionário, o filme entrega apenas um lembrete de que a imaginação, quando controlada por algoritmo, é o primeiro arquivo a ser deletado.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Joachim Rønning;
Roteiro: Jesse Wigutow;
Elenco: Jared Leto, Greta Lee, Evan Peters, Jodie Turner-Smith, Hasan Minhaj, Arturo Castro, Cameron Monaghan, Gillian Anderson, Jeff Bridges;
Gênero: Ficção científica;
Duração: 119 minutos;
Distribuição: Walt Disney Pictures;
Classificação indicativa: 12 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z