Entre tortas e navalhas, justiça e vingança se misturam e ganham força com a lâmina afiada de um barbeiro na decadente Londres do período vitoriano. Essa é a premissa de Cruel Barbeiro da Rua Fleet, versão brasiliense do clássico de Stephen Sondheim reinventada pelo Espaço Cartas, que estará em cartaz neste fim de semana no Teatro Galpão do Espaço Cultural Renato Russo. A montagem é assinada por Luiza Bachman na direção geral, Thiago Linhares na direção cênica e geral, e direção musical de Pedro Souto.
Nesta versão, o barbeiro vingativo Sweeney e companhia, ou melhor, às 13 pessoas que compõem o elenco, vão interagir com a plateia. “Nós vamos colocar o público dentro da cena mesmo, mas vamos perguntar antes se a pessoa quer participar”, comentou Thiago. O diretor cênico e geral destacou que quem quiser participar, será muito bem-vindo. “Quem aceitar vai até comer algumas tortinhas”, brincou, ao mencionar as tortas excêntricas feitas pela personagem Sra. Lovett, dona de uma loja de tortas. Na peça, a mulher ajuda Sweeney em sua jornada de vingança.
Com uma narrativa inédita e transformadora, a expectativa dos diretores é que o público seja bem receptivo com a produção. A narrativa conta a história de Benjamin Barker, um homem que foi exilado de Londres por um juiz corrupto e que, anos depois, retorna à cidade querendo se vingar por tudo o que lhe foi tirado. “É uma peça densa, sombria, com atmosfera gótica. Mas nesta versão, optamos por trazer toques de leveza, com momentos de alívio cômico e interação com o público”, conta.

Tudo isso acontece na Rua Fleet, onde agora com um novo nome – Sweeney Todd – o barbeiro vai reabrir sua loja, em cima do estabelecimento da Sra. Lovett. Os dois vão traçar uma jornada de vingança, com navalhas afiadas, desaparecimentos misteriosos e um cardapio duvidoso, manchando a Rua Fleet de sangue.
A plateia vai poder ver toda essa jornada sangrenta de um jeito inédito. “O público vai ficar de um lado e de outro da Rua Fleet. Essa vai ser uma experiência completamente diferente”, afirmou Thiago. Ele considera que como serão quatro sessões da peça, o público tem até a chance de assistir de um lado e voltar para assistir do outro e ver a cena de uma outra perspectiva se quiser. Nesse cenário, a peça vai abordar de forma tragicômica tópicos atuais como a impunidade, justiça com as próprias mãos e exclusão social.
Na pele do barbeiro
Jonatas Carvalho interpreta o protagonista de Cruel Barbeiro nesta produção. Esta é a primeira vez que ele assume um papel com tantos solos, e para ele está sendo um processo interessante. “Eu tenho uma voz muito grave, e no teatro musical, via de regra, não tem tantos papéis principais para quem tem esse tipo de voz”, pontuou. Por isso, interpretar Todd era um sonho, já que a voz do personagem é bem característica e combina com seu timbre. “Mas está sendo bastante desafiador, porque são músicas tecnicamente difíceis e o personagem também tem muitas nuances”, complementou.
O ator descreve Sweeney como alguém que foi profundamente traído e quer vingança, mas que tenta não deixar isso transparecer tão abertamente no início. “Ele revela essas nuances às vezes ao longo da mesma música, começando com ódio e rancor pelas pessoas que o traíram, e na mesma música ele passa para o saudosismo e aquele derretimento de lembrar da esposa, que agora ele não tem mais”, disse. Jonatas explica que o personagem transita por picos de loucura — quando decide virar um assassino — e logo depois passa por momentos de afeto pela filha, saudade e frustração, por saber que talvez nunca mais a encontre. “Foi desafiador tentar encontrar lugares que permitam trazer essa mensagem para o público, mas de forma natural, sem ser algo forçado ou artificial demais”, comentou. Ele espera que, mesmo com o conflito de sentimentos vivido por Todd, o público possa sentir o impacto da história e até desenvolver uma certa afeição por esses personagens.
Reconhecimento da cena brasiliense
Esta é uma montagem acadêmica da peça e, segundo Pedro Souto, a escolha de Sweeney Todd foi pensada para que os alunos pudessem ter a chance de desenvolver suas habilidades teatrais com essa peça gótica. Afinal, esta é uma adaptação de um musical que pode ser feito de diversas formas. A obra já teve várias temporadas na Broadway, off-Broadway, e ficou mais conhecida com o filme de Tim Burton, de 2007. Pedro lembrou que, recentemente, houve uma montagem brasileira em São Paulo, com Saulo Vasconcelos no papel do barbeiro. “O Saulo é de Brasília, inclusive”, acrescentou.
O texto foi adaptado por Thiago, com versões das músicas assinadas pelo brasiliense Rafael Oliveira. “São versões inéditas e vai ser a primeira vez que vamos ver no palco esse projeto que ficou tão bonito”, comentou Luiza. Para a diretora, é gratificante e motivo de orgulho ver brasilienses como Rafael e Saulo atuando em São Paulo e representando Brasília. Rafael, por exemplo, é o versionista da montagem paulista de Alice de Cor e Salteado que está em cartaz atualmente. Luiza acredita que isso mostra que o polo brasiliense tem a mesma qualidade, apesar de não ser tão grande quanto o eixo Rio-São Paulo. “A gente pretende entregar sempre algo de qualidade para que as pessoas possam consumir o teatro musical”, disse.
A peça entra em cartaz neste fim de semana, mas algo inesperado nos últimos ensaios deu ainda mais confiança ao elenco e à produção: ninguém menos que Miguel Falabella foi conferir de perto como a montagem estava ficando. “Foi uma experiência maravilhosa. E, de fato, ele entende a grandeza dessa peça, porque está fazendo um espetáculo que esteve em cartaz em Brasília, que também é do Sondheim”, contou Luiza. Ela se diz muito contente com esse reconhecimento do trabalho feito na adaptação, vindo de uma grande referência no teatro e espera que o público valorize esse esforço. “A gente trabalha com o que eu chamo de método fast food: a cada semestre, um espetáculo novo, 100% original, basicamente.”
Antes de Cruel Barbeiro, o Espaço Cartas realizou outras duas produções em 2024: Cidade Hades e As Bruxas de Oz. Esta última é uma adaptação da peça Wicked, que fez sucesso ao ficar em cartaz durante o lançamento do blockbuster hollywoodiano Wicked: Parte 1. Luiza explicou que, na época, a proposta era montar uma peça mais popular, com grande alcance de público. “Mas nossa intenção é fazer algo diferente a cada semestre”, acrescentou Thiago.
Para seguir fomentando a cena musical brasiliense, o coletivo já tem até o nome da próxima adaptação para o segundo semestre de 2025: Legalmente Loira. Mas Luiza complementa ainda que o grupo tem planos de produzir uma peça autoral. “Nós estamos pensando em tocar um projeto independente da minha peça que se chama Cinco e Meia, sobre uma agência de publicidade. Estamos amadurecendo essa ideia”, finalizou.
Serviço
Cruel Barbeiro da Rua Fleet
Onde: Teatro Galpão do Espaço Cultural Renato Russo
Quando: dias 5 e 6 de julho, às 17h e às 20h
Ingressos: No Sympla