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Teatro e Dança

Peça ‘A Médica’ reflete sobre o ódio e o cancelamento que extrapolam a internet

Obra está em cartaz em São Paulo até 24 de agosto

Redação Jornal de Brasília

25/06/2025 10h49

peça 'a médica'

Foto: Divulgação

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Protagonizado pela atriz Clara Carvalho, o espetáculo “A Médica” -uma releitura contemporânea do britânico Robert Icke para “Professor Bernhardi”, uma das peças mais conhecidas de Arthur Schnitzler-, é um passo ousado da parceria entre o Círculo de Atores e a pesquisadora e mecenas Rosalie Rahal Haddad, idealizadora e produtora do projeto.

Na trama, a médica Ruth Wolff, de origem judaica, dirige um hospital especializado em pesquisas sobre o Alzheimer e socorre, na instituição, uma adolescente à beira da morte após um aborto mal realizado. Wolff impede a entrada de um padre católico no quarto, alegando que a presença dele causaria ansiedade nos momentos finais da jovem, vítima de uma infecção generalizada.

A decisão, com o embate gravado e postado na internet, desencadeia uma onda de perseguição, ataques violentos e desinformação que desestrutura a vida da profissional.

A encenação entrelaça questões de identidade, etnia e gênero e reflete sobre julgamentos e cancelamentos públicos em tempos de pós-verdade no ambiente virtual.

As primeiras peças montadas por meio da parceria do grupo de artistas com a investidora e estudiosa de teatro foram adaptações mais clássicas -“A Profissão da Sra. Warren” (2018) e “O Dilema do Médico” (2023), de Bernard Shaw, e “Hedda Gabler” (2024), de Henrik Ibsen.

A quarta peça da sociedade, ao contrário, inova ao ponto de apresentar personagens dissonantes em relação ao gênero, raça e idade vistos no palco, uma exigência de Icke que o público percebe ao longo da encenação, de forma surpreendente e sem muitas explicações.

Na apresentação para convidados, no auditório do Masp, onde “A Médica” está em cartaz, Haddad brincou que entendeu, na prática, porque alguns encenadores dizem que “dramaturgo bom é dramaturgo morto”.

A pesquisadora, que atua na área de estudos irlandeses da USP, cita como exemplo questionamentos de Icke em relação às idades das atrizes da peça que, segundo ela, não fazem sentido.

Brincadeiras provocantes à parte, o autor britânico, de 38 anos, é um dos nomes mais celebrados da nova geração de dramaturgos, com uma trajetória marcada por releituras ousadas, como uma versão de “Édipo” protagonizada por Mark Strong e Lesley Manville no West End, em Londres.

Ao contrário do que acontecia em “Professor Bernhardi”, encenada pela primeira vez em Berlim, em 1912, em “A Médica” a protagonista é uma mulher. Além do antissemitismo, ela enfrenta a crueldade de uma sociedade misógina, que questiona o tempo todo o comportamento e as decisões das mulheres, inclusive as bem-sucedidas.

Na história, o compartilhamento da polêmica com o padre nas redes sociais faz com que o ódio à médica escale rapidamente e de forma absurda. O caso chega a um programa sensacionalista na TV e ameaça o financiamento de uma obra do hospital.

A montagem é dirigida por Nelson Baskerville e tem no elenco nomes como Adriana Lessa, Anderson Muller, Chris Couto, Kiko Marques e Sergio Mastropasqua, o fundador do Círculo de Atores.

Com cenário de Marisa Bentivegna, figurinos de Marichilene Artisevskis e iluminação de Wagner Freire, a encenação incorpora a técnica de videomapping e conta com trilha sonora original, de Gregory Slivar, executada ao vivo.

“A Médica” estreou na Inglaterra e já foi encenada em países como Alemanha, China, Estados Unidos, Grécia, Holanda, Índia e Peru. “Ela mantém a espinha dorsal do autor original, porém, adiciona elementos mais atuais”, diz Baskerville.

A peça começa com a abordagem do aborto como uma questão polêmica, mas muda à medida que é contada e aí entram elementos do comportamento social contemporâneo.

“Vira uma outra história. Em cinco dias, vira um escândalo”, afirma a atriz protagonista. A médica, antes respeitada, passa a ser demonizada. Qualquer semelhança com personagens do mundo atual não é mera coincidência.

“Ela é muito agredida. E também não é uma heroína, é muito incoerente, também tem preconceito, é arrogante. É uma mulher desagradável”, diz Clara Carvalho.

Integrante do Grupo Tapa e também diretora e tradutora, a atriz tem uma trajetória de mergulho profundo em dramaturgias clássicas e destaca o fascínio provocado por histórias bem contadas.

“É o que salva a gente”, diz. “É transformador. Entramos no teatro de um jeito e saímos de outro. O ser humano precisa disso. O real é muito desconexo, muito cheio de abismos, absurdos, solidão. Se não fossem as histórias, o que seria de nós?”

A MÉDICA
– Quando Até 24 de agosto. Sextas e sábados, às 20h; domingos, às 18h
– Onde Auditório do Masp – av. Paulista, 1.578, São Paulo
– Preço Sextas, R$ 80 a inteira e R$ 40 a meia; sábados e domingos, R$ 100 a inteira e R$50 a meia
– Classificação 14 anos
– Autoria Robert Icke
– Elenco Clara Carvalho, Adriana Lessa, Anderson Müller, Cella Azevedo, César Mello, Chris Couto, Isabella Lemos, Kiko Marques, Luisa Silva, Sergio Mastropasqua e Thalles Cabral
– Direção Nelson Baskerville

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